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Acesso em
30 abril 2005
PRIMEIRA LEITURA — 36
Algo está fora da ordem
Lançada a corrida pela reforma do Conselho de Segurança da ONU, quatro
aspirantes a novas cadeiras permanentes – Alemanha, Brasil, Japão e
Índia – mostram o potencial e as fraquezas de um coro que ainda precisa
de muito ensaio. Por Matias Spektor
LONDRES – No dia 2 de dezembro passado, um grupo de especialistas
publicou o relatório encomendado por Kofi Annan, secretário-geral da
Organização das Nações Unidas (ONU), sobre “ameaças, desafios e
mudanças” no século 21. O relatório sugere mudanças na estrutura da
organização, que completa 60 anos. A recomendação mais palpável do
documento é a expansão do Conselho de Segurança, atualmente comandado
por cinco países permanentes – Estados Unidos, França, Grã-Bretanha,
China e Rússia.
O Brasil, junto com Alemanha, Japão e Índia, espera obter uma cadeira
permanente na nova arquitetura do Conselho. Em setembro de 2004,
antecipando-se à publicação do relatório, os quatro países fundaram um
grupo de pressão denominado de A-4 (Aspirantes 4). No último dia 24 de
novembro, o A-4 fez sua primeira apresentação conjunta num evento
organizado pelo Parlamento britânico.
O evento pôs em evidência o potencial e as fraquezas da empreitada. O
A-4 tem um bom caso nas mãos e promete fazer muito barulho. Mas em
várias ocasiões o quarteto desafinou, e seus membros terminaram lendo
quatro partituras diferentes.
O tema da reforma é sensível. Para cada país que pleiteia uma cadeira,
pelo menos outro protesta ou manifesta desconforto (Argentina e México
contra Brasil, Itália contra Alemanha, Paquistão contra Índia e China
contra Japão). Na África, a escolha do candidato já tem levado a brigas
Egito, Nigéria e África do Sul. Turquia vem bradando a necessidade da
reforma contemplar o “islã moderado”.
Cientes dos riscos envolvidos na apresentação de Londres, os governos do
A-4 tomaram todos os cuidados. A escolha do lugar foi precisa: longe da
estrutura formal da ONU, mas sem chegar à informalidade de um ambiente
acadêmico. O mesmo cuidado valeu para a escolha dos porta-vozes de cada
país: em vez de enviar representantes com status de embaixador, a linha
de frente foi composta por conselheiros políticos (diplomatas de segundo
escalão). Com exceção do representante alemão, que falou de improviso,
os outros mantiveram-se fiéis a textos previamente redigidos. Também
solicitaram à platéia que, uma vez findas as apresentações e iniciada a
sessão de perguntas e respostas, fossem observadas as “regras de Chatham
House” (centro de estudos internacionais da Inglaterra): elas estipulam
que os jornalistas presentes podem relatar o que foi dito durante o
debate com o público, mas devem abster-se de publicar o nome ou a
filiação de quem o disse.
O Caso Brasileiro No palco, o A-4 é um quarteto estranho. As canções
individuais têm talento, mas são dissonantes e terminam por comprometer
a melodia do grupo.
A primeira ária coube ao Brasil. O representante ofereceu uma lista de
credenciais que supostamente qualificariam o país para uma cadeira
permanente: população, peso econômico, extensão territorial, o histórico
de contribuição para a paz e a segurança internacional e o compromisso
com as Nações Unidas e o multilateralismo. É verdade que esses critérios
são atrativos quando o país é tomado isoladamente. Mas, no contexto do
A-4, eles podem ser um tiro no pé.
Se população fosse um critério objetivo para a obtenção de uma cadeira
permanente, a candidatura asiática deveria ser da Indonésia (230 milhões
de habitantes) e não do Japão (127 milhões). No campo econômico, o
Brasil deixou de ser a oitava economia do mundo, em 1998, para ocupar a
13a posição em 2003; sua participação no fluxo internacional de
comércio, apesar do crescimento das exportações, continua sendo pífia,
com menos de 2% da fatia mundial. E, embora o Brasil tenha conseguido a
façanha de duplicar a renda per capita de sua população em apenas um
terço do tempo que levou os Estados Unidos, façanha idêntica foi
alcançada pela Coréia do Sul, Turquia e, inclusive, Botsuana.
O argumento da extensão territorial também é problemático. Afinal de
contas, Canadá e Austrália seriam candidatos naturais a cadeiras
permanentes, já que possuem território, vastíssima experiência em
resolução de conflitos e operações de manutenção de paz, além de contar
com os recursos financeiros para tal. O argumento também compromete a
candidatura do Japão na Ásia (377 mil quilômetros quadrados contra 2
milhões da Indonésia). E a da Alemanha numa Europa alargada (357 mil
quilômetros quadrados contra os 814 mil da Turquia, o mais novo
candidato à União Européia).
É bem verdade que o Brasil tem experiência em contribuições para a paz e
a segurança: da Guerra do Chaco ao batalhão de Suez, a intervenção na
República Dominicana, a liderança na resolução dos conflitos entre
Equador e Peru, assim como o papel na pacificação de Angola, Timor Leste
e Haiti. Entretanto, o argumento contábil é frágil. Canadá e Austrália
podem apresentar números invejáveis. No fim do ano 2000, por exemplo, o
Brasil nem sequer estava entre os principais contribuintes do mundo em
desenvolvimento para as operações de manutenção da paz comandadas pela
ONU, numa lista que inclui Índia, Nigéria, Paquistão e Jordânia. Na
América Latina, a Argentina pode oferecer um portifólio denso de
atividades, além de argumentar que, após a debacle das Malvinas, suas
Forças Armadas foram redesenhadas, profissionalizadas e reaparelhadas
com o propósito específico de atuar em operações de paz sob a égide da
ONU.
Surpreendentemente, no caso em que o argumento contábil fazia, sim,
sentido, o Brasil preferiu calar-se: ao argumentar que o país tem um
compromisso tradicional com as Nações Unidas e o multilateralismo,
ninguém disse que os cofres brasileiros estão entre os dez principais
contribuintes financeiros da organização (US$ 23 milhões em 2002). É
verdade que o país deve à ONU, mas também devem os seus principais
contribuintes.
Sem Respostas - A apresentação da Alemanha só deixou dúvidas no
ar. O representante argumentou que seu país, caso contemplado com uma
cadeira permanente, seria uma “voz da razão e da paz”, mas não
esclareceu como. O trunfo alemão, disse, é ser uma “potência
não-nuclear”. Embora todos saibam que a Alemanha é um colosso econômico
e que tem exercitado seu músculo diplomático nos confins da União
Européia, não é óbvio que esteja pronta para ombrear responsabilidades
globais. Tanto a Noruega como a Itália poderiam ter reclamos similares.
A Índia fundamentou seu pedido em dois critérios problemáticos.
Primeiro, disse o conselheiro hindu que seu país é um bom candidato pelo
fato de, apesar da dimensão territorial, “não ter conflitos com seus
vizinhos”. Não causou surpresa a ninguém a reação furiosa dos membros
paquistaneses da platéia. A Índia também tem disputas territoriais com
China, Nepal e Bangladesh. Em segundo lugar, a principal credencial
hindu, segundo seu representante, é o fato de o país ter mantido um
regime democrático intacto desde a independência (1947). Isso é fato.
Mas é um chute na canela do Brasil, que retornou à democracia há apenas
20 anos.
O representante do Japão esgrimiu dois argumentos razoáveis. Disse que
seu país é sub-representado na ONU, uma vez que é o segundo contribuinte
financeiro da organização (19,5% do orçamento, depois dos 22% dos EUA).
Também argumentou que seu país, reconstruído em apenas 50 anos, é uma
democracia pujante em pleno continente asiático, e, portanto, sua voz
deve ser ouvida nas alturas rarefeitas do Conselho de Segurança.
Mas, em seguida, o Japão perdeu o rumo com uma sugestão esdrúxula.
Segundo o governo de Tóquio, o país tem as habilidades necessárias para
sanar um dos maiores problemas que afligem a organização: a
contabilidade e administração de sua gigantesca burocracia. O argumento
implícito é o de que os outros membros da ONU são despreparados para
lidar com contas públicas e responsabilidade administrativa – o que pode
ser verdade, mas certamente minará o pleito japonês na Assembléia Geral.
Alguém poderia argumentar que, se o Japão tem expertise exclusiva no
tema, seus diplomatas deveriam concentrar-se em galgar posições nos
comitês de orçamento e administração mais do que no Conselho de
Segurança.
O Japão também insistiu em que sua principal credencial é sua
“capacidade de diálogo com os Estados Unidos”. De fato, a aliança
Japão-EUA tem sido o lastro da estabilidade internacional na Ásia desde
o fim da Segunda Guerra mundial. O Japão é, por exemplo, o único país
aspirante a uma cadeira permanente que conta com apoio explícito dos
Estados Unidos. Mas aqui há dois problemas. Primeiro, a idéia de alargar
o Conselho de Segurança tem a ver com o desejo de fortalecer o
pluralismo naquele foro, não com a necessidade de tornar o diálogo com
os Estados Unidos mais dócil. Segundo, ter acesso privilegiado à Casa
Branca não significa ter a capacidade de modificar o comportamento
norte-americano no mundo, uma lição que Tony Blair aprendeu tanto da mão
de Bill Clinton quanto da de George W. Bush.
O fato é que o A-4 ainda não disse a que veio. Se quiser arrebatar os
dois terços dos votos da Assembléia Geral das Nações Unidas necessários
para abrir o caminho da reforma, precisará fazê-lo. E precisará fazê-lo
de modo preciso e claro porque em seguida esses países precisarão
ratificar o voto em seus respectivos parlamentos nacionais.
Os membros do A-4 ainda não pronunciaram as visões do grupo sobre o
problema da proliferação nuclear, a instabilidade do Oriente Médio, a
crise de Darfur (Sudão), o novo governo do Iraque ou mesmo sobre o papel
das Nações Unidas no trabalho emergencial na Ásia pós-tsunami. Nada
falaram sobre a necessidade imperiosa de apoiar todos aqueles que
acreditam que o islã e a democracia não são mutuamente excludentes.
O A-4 nem sequer saiu em defesa das empreitadas internacionais de seus
membros. Por exemplo, o trabalho que o Brasil está fazendo no Haiti
agora corre o risco de desmoronar por causa de problemas
administrativos, da ostensiva falta de coordenação entre a ONU e o
sistema multilateral de crédito e do não-cumprimento de promessas da
comunidade internacional. Do mesmo modo, o A-4 nada disse sobre os bons
ofícios que a Alemanha vem realizando com seus parceiros europeus para
assegurar ao Irã que sua soberania será respeitada mesmo que o país não
tenha uma bomba atômica. O A-4 está em posição privilegiada para fazer
barulho em temas pontuais da agenda, mobilizar a opinião pública e
mostrar a cara.
Parou por quê? É possível que os quatro países não tenham se
manifestado simplesmente porque não têm opinião formada sobre esses
temas. Nesse caso, poderiam aproveitar seu pleito conjunto para manter
diálogo intenso de alto nível e, com uma dose de otimismo, chegar a
alguns consensos básicos.
Ninguém espera que os membros do A-4 devam concordar em todos os tópicos
da agenda. Ao contrário, espera-se que o Conselho de Segurança seja um
ambiente para o debate maduro de visões desencontradas. Diferentes
países têm concepções muito distintas de como criar e sustentar uma
estrutura estável de paz. A forma como cada país vê a situação global
depende de seu poder, riqueza, geografia e experiência histórica. Por
isso, os consensos internacionais são em geral tênues e precisam ser
renegociados regularmente.
Mas todos esperam que os novos membros permanentes de um Conselho de
Segurança reformado tenham capacidade de propor idéias e negociá-las.
Também se espera que esses países possam agregar novos valores e
perspectivas à ordem internacional vigente nos dias de hoje. As
oportunidades para o consenso são inúmeras.
Em primeiro lugar, os quatro candidatos desejam fervorosamente uma
cadeira permanente. Esse é um argumento crucial para que a ganhem, já
que seus opositores não tentam abocanhar cadeiras para si, mas apenas
rechaçam a idéia de que o número de membros permanentes seja aumentado.
Os membros do A-4 são países com projeção regional significativa, mas
sem os laços coloniais que ainda mancham os atuais membros permanentes
do Conselho. Estão em posição privilegiada para ecoar as preocupações e
incertezas dos membros mais fracos da comunidade das nações.
Os quatro países também são exemplos típicos de que a força bruta não é
a única moeda em política internacional. Seu poder nacional assenta-se
na capacidade de negociação de seus diplomatas, não no alcance de seus
tanques. Esses quatro países ganham relevo na cena mundial sem lançar
mão da coerção, mas apelando para a sua cultura, seus ideais, seus
valores e suas sugestões de políticas públicas.
O caso brasileiro é ilustrativo. O país aglutina apoios na Comunidade de
Países de Língua Portuguesa, ajuda a moldar a sua região imediata ao
introduzir uma cláusula democrática no arcabouço do Mercosul e ao
pressionar para que a América do Sul seja declarada “zona de paz”, tenta
estender a mão a vizinhos como Venezuela e Bolívia quando seus governos
atravessam crises de legitimidade. Também catalisa pressões do mundo em
desenvolvimento no âmbito da Organização Mundial do Comércio e das
negociações multilaterais de meio ambiente e direitos humanos, participa
ativamente das negociações informais como membro rotativo do Conselho de
Segurança e exporta políticas públicas de sucesso (por exemplo, a ONU
recentemente encorajou o Brasil a criar um centro de referência e
treinamento em prevenção e tratamento da aids para profissionais do
mundo em desenvolvimento).
Sabe-se que os desafios enfrentados por países que querem um lugar na
cena internacional, mas não detêm o poder das armas, são peculiarmente
complexos. No Brasil, a dificuldade inerente ao soft power ficou clara
no discurso da diplomacia brasileira após os ataques terroristas de 11
de setembro de 2001. Por um lado, o Brasil alinhou-se aos Estados Unidos
para condenar o terrorismo e trabalhar com Washington na definição e
regulamentação do direito internacional sobre o tema. Por outro, o
presidente Lula tem dito que o terrorismo é apenas uma das muitas
mazelas do mundo, repetindo à exaustão o seu mote de que “a arma de
destruição em massa mais letal é a fome”. Essa declaração é uma peça
retórica que possivelmente terminará na lixeira da história. Mas fazer
algo que tenha impacto real sobre a forma como a política internacional
funciona é muito difícil: é necessário ter idéias, discuti-las,
aprimorá-las, apresentá-las ao público e, acima de tudo, pagar os custos
da discórdia. O A-4 oferece uma oportunidade única.
Reformulação e Governança - A expansão do Conselho de Segurança
será um processo demorado e complexo. Trata-se de uma operação
gigantesca. Mas poucas vezes o clima foi tão propício para uma mudança
institucional dessa envergadura. Por quê?
Em primeiro lugar, os custos da reforma são baixos. Ela apenas aumenta o
número de membros permanentes do Conselho de Segurança, sem retirar os
direitos adquiridos (inclusive o poder de veto) das cinco potências
atualmente representadas.
Além disso, o recente impasse internacional sobre a invasão ao Iraque
teve efeitos paradoxais. Por um lado, o Conselho de Segurança foi
paralisado e muitos deram a ONU por morta. Mas, por outro, a perspectiva
de um mundo anárquico onde apenas a força física estabelece a ordem
assustou muitos. A percepção generalizada à esquerda e à direita nas
principais praças diplomáticas, inclusive em Washington, é que o
Conselho de Segurança continua sendo a principal instituição para lidar
com temas de governança global. Mas para atuar eficientemente precisa
ser reformado.
Os argumentos daqueles que se opõem à expansão dos membros permanentes
têm sido, pelo menos até agora, pífios. A Itália rejeita o pedido da
Alemanha, argumentando que a cadeira deveria ir para a União Européia.
Essa proposta é inviável tanto do ponto de vista político (uma vez que
isso forçaria o Reino Unido e a França, membros da União Européia, a
abandonarem suas atuais cadeiras) como do ponto de vista legal (a Carta
das Nações Unidas especifica que apenas Estados nacionais podem
sentar-se permanentemente no Conselho, impossibilitando a representação
de uma entidade supranacional tal como a União Européia ou o Mercosul).
A Argentina, que questiona a candidatura brasileira, até agora não foi
capaz de argumentar claramente o porquê, nem se articular com o México,
o outro país da América Latina capaz de montar oposição ao pleito de
Brasília. O presidente Kirchner encontrou-se com seu par paquistanês,
Pervez Musharraf, que se opõe à possível cadeira para a Índia. Ambos os
mandatários afirmaram que desejam ampliar o número de cadeiras do
Conselho, mas que as mesmas devem ter caráter não-permanente. Para eles,
a melhor forma de democratizar o Conselho é assegurar a rotatividade das
novas cadeiras. Esse é um argumento poderoso. Mas o eixo Buenos
Aires-Islamabad, pelo menos até agora, não conta com a capacidade de
asserção e barganha do A-4.
O Fator Americano - Um dos principais entraves à reforma da ONU
parece estar sendo levantado. Trata-se do tenso relacionamento entre os
Estados Unidos e a ONU, que paralisou a organização em diversas
ocasiões.
Nos anos 1990, a ONU foi sistematicamente acusada pelos Estados Unidos
de ineficiência e lentidão na resposta a crises internacionais como
Somália, Ruanda, Bósnia e Kosovo. Mais recentemente, a crise desatada
pelo Iraque pôs a ONU na mira das campanhas presidenciais do presidente
Bush e do senador John Kerry – ambos disseram que, caso a segurança
norte-americana estivesse em questão, eles não hesitariam em atuar
unilateralmente e à revelia da comunidade internacional.
A ojeriza do Congresso norte-americano à ONU foi ainda alimentada pelo
escândalo administrativo em que o filho do secretário-geral da
organização teria se beneficiado do programa de sanções impostas pelo
Conselho de Segurança contra o regime de Saddam Hussein. Mais
recentemente, a lentidão do Conselho de Segurança diante do genocídio na
região de Darfur provocou novas críticas.
Mas, nos últimos meses, Kofi Annan e seu secretariado têm se mobilizado
como nunca para reverter a tendência. Em primeiro lugar, Annan apontou
um servidor público norte-americano para auditar as contas que
supostamente teriam beneficiado seu filho. Ainda foi a público para
dizer que, como pai, estava decepcionado. Em seguida, pediu ao comitê de
especialistas que incluísse em seu relatório recomendações para reformar
a estrutura administrativa da organização.
Mais importante do que isso, o relatório encomendado por Annan que
sugere a expansão das cadeiras permanentes do Conselho de Segurança
também consagra os principais argumentos da Doutrina Bush. Esse é um
aspecto que tem passado ao largo do comentário da imprensa brasileira,
mas merece atenção.
Diz o relatório que um país soberano pode atacar militarmente outro país
soberano, ou grupos que estejam fisicamente em outro país soberano,
sempre que o primeiro considerar o segundo ameaça iminente a sua
segurança. A idéia, levada ao cinema no filme Minority Report, com Tom
Cruise, é que é necessário atuar antes que as ameaças se concretizem. Ou
seja, o relatório sugere que certos atos – tais como o ataque
norte-americano ao regime taleban no Afeganistão – podem ser
interpretados como movimentos legítimos de autodefesa. O relatório
recomenda que, nesses casos, o Conselho de Segurança seja ativado antes
do ataque. Mas, caso os canais diplomáticos falhem, o país agressor
poderá atuar sem prejuízo nem custos adicionais.
Além disso, o relatório consagra o argumento norte-americano segundo o
qual atos terroristas não podem ser considerados, em hipótese alguma,
atos de resistência contra governos tiranos. Assim como a Estratégia de
Segurança Nacional aprovada por Bush em 2002, o relatório fala no risco
à segurança representado por “Estados fracos ou sob estresse”, jargão
que abre o caminho para intervenções militares com o propósito de
instalar novos governos.
O relatório também contempla uma das principais críticas
norte-americanas à atuação da ONU: critica a estrutura da Comissão de
Direitos Humanos – órgão onde inimigos tradicionais dos Estados Unidos
como Cuba e Líbia (ou rivais como a China) têm conseguido se defender
das pressões da comunidade internacional. As mudanças propostas pelo
relatório fecharão o caminho a esses países.
O caminho para aumentar o Conselho de Segurança está aberto. O Brasil
tem se posicionado bem na corrida. Já conta com a simpatia de Kofi Annan,
com o apoio de vários países sul-americanos e africanos, assim como com
a luz verde do Kremlin. Tem também o apoio de Alemanha, Japão e Índia.
Agora precisa convencer o mundo de que seus diplomatas podem agregar
valor à ordem internacional. O A-4 parece ser o melhor instrumento para
fazê-lo. Mas a luta pelos votos da Assembléia Geral apenas começa. É
hora de pôr ordem no coreto.
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