Ackoff, Russel L. Planejamento Empresarial. Rio de Janeiro, Livros Técnicos e Científicos, 1978, p 1-14.

 

 

A Natureza e o Conteúdo do Planejamento

 

INTRODUÇÃO

Sabedoria é a capacidade de prever as conseqüências, a longo prazo, de ações atuais, a disposição de sacrificar ganhos a curto prazo em favor de benefícios a longo prazo e a habilidade de controlar o que é controlável e de não se afligir com o que não o é. A essência da sabedoria, portanto, é a preocupação com o futuro. Não é, porém, a preocupação com o futuro que o adivinho tem; ele tenta prevê-lo. O sábio tenta controlar o futuro.

Planejamento é a definição de um futuro desejado e de meios eficazes de alcançá-lo.  É um instrumento usado pelo sábio, mas não por ele. Quando utilizado por homens de capacidade inferior, este instrumento se transforma num ritual irrelevante que produz paz de espírito a curto prazo, mas não o futuro que se deseje.

Perguntei, recentemente, a três executivos quais decisões eles haviam tomado no último ano, que não teriam tomado se não fosse em decorrência dos planos de suas empresas. Todos tiveram dificuldade em identificar sequer uma decisão com esta característica. Como todos os seus planos eram rotulados de "secretos" ou "confidenciais", perguntei-lhes, também, de que maneira seus concorrentes se beneficiariam com o conhecimento destes planos. Constrangidos, cada um respondeu que seus concorrentes não teriam nenhum benefício. Mesmo assim, esses executivos eram defensores convictos do planejamento empresarial.

A necessidade de planejamento empresarial é tão óbvia e tão grande, que é difícil para qualquer pessoa se opor a ela. Porém, é ainda mais difícil tornar tal planejamento útil. Planejamento é uma das atividades intelectuais mais complexas e difíceis nas quais um homem pode se envolver. Não fazê-lo bem não é um pecado, mas contentar-se em fazê-lo pior do que seria possível, é imperdoável.

Ainda não se conhece planejamento empresarial suficientemente bem, para se preparar um manual sobre o assunto. No momento, e por mais algum tempo ainda, o planejamento terá que ser moldado pelas características típicas da organização e da situação na qual ele é desenvolvido. Entretanto, é possível dar-se alguma orientação dentro de contexto bastante amplo. Pode-se tentar algumas considerações sobre o que o planejamento pode fazer, delinear uma filosofia pela qual ele pode ser abordado, além de um conceito de como pode ser organizado e sistematizado, e um conhecimento dos melhores métodos, técnicas e instrumentos que possam ser incorporados a ele.

A ciência relevante ao planejamento tem se desenvolvido rapidamente. Entretanto, mesmo o melhor planejamento que somos capazes de fazer, requer pelo menos tanta arte quanto requer ciência. Eu estou tão interessado em aperfeiçoar a arte quanto à ciência. Em nenhum outro trabalho, esta boa união é tão importante quanto no planejamento.

A principal contribuição dos cientistas ao planejamento pode não estar no desenvolvimento e no uso de técnicas e instrumentos relevantes, mas, sim, na sua sistematização e organização do processo de planejamento e no constante desenvolvimento e avaliação deste processo.

A NATUREZA DO PLANEJAMENTO

O planejamento é, nitidamente, um processo de tomada de decisão; mas, é claro que nem todo processo decisório é planejamento. Não são tão claras, porém, as características que fazem do planejamento um tipo especial de tomada de decisão. Ele é especial de três formas:

1. Planejamento é algo que fazemos antes de agir; isto é, tomada antecipada de decisão. É um processo de decidir o que fazer, e como fazê-lo, antes que se requeira uma ação. Se desejarmos certa situação em algum tempo, no futuro, e demora-se para decidir o que fazer, e como fazê-lo, devemos tomar as decisões necessárias antes de agir. Se essas decisões pudessem ser tomadas rapidamente sem perda da eficiência, não seria necessário planejar.

2. Planejamento é necessário quando a consecução do estado futuro que desejamos envolve um conjunto de decisões interdependentes; isto é, um sistema de decisões. Um conjunto de decisões forma um sistema, se o efeito de cada decisão no resultado desejado depende de, pelo menos, outra decisão do conjunto. Algumas decisões do conjunto podem ser complexas, outras simples. A principal complexidade do planejamento,. porém, advém mais do inter-relacionamento das decisões do que delas em si. Por exemplo, ao se planejar uma casa, a decisão de colocar a sala-de-visitas em determinado local tem um efeito sobre a localização de todas as outras dependências e, portanto, no "desempenho" da casa como um todo.

Conjuntos de decisões que exijam planejamento têm as seguintes características importantes:

a) são muito grandes para serem manipulados de uma vez. Portanto, o planejamento deve ser dividido em estágios ou fases, que sejam desenvolvidas seqüencialmente em um único ponto de decisão, ou simultaneamente, em diferentes pontos ou mesmo por alguma união de esforços em série e simultâneos. O planejamento deve ser dividido por etapas, ou em outras palavras, ele deve ser planejado em si.

b) o conjunto de decisões necessárias não pode ser subdividido em subconjuntos independentes. Assim, um problema de planejamento não pode ser dividido em problemas independentes de subplanejamento. Os problemas de subplanejamento devem ser inter-relacionados. Isto quer dizer que decisões tornadas em primeiro lugar no processo de planejamento devem ser levadas em consideração, ao se tomar outras posteriormente; e as primeiras decisões devem ser revistas à luz das outras que lhes seguirem. É por isto que o planejamento deve ser feito antes que seja necessário agir.

Estas duas propriedades sistêmicas do planejamento provam que ele não é um ato e sim um processo, sem fim natural ou ponto final. É um processo que (se espera) se aproxime de uma "solução", mas nunca chega mesmo até ela, por duas razões. Primeira, porque nãolimite para a quantidade de revisão que se possa fazer de decisões anteriores. Entretanto, o fato de que, eventualmente, é necessário agir, faz com que se tenha que adotar o planejamento da maneira que ele estiver num determinado momento. Em segundo lugar, tanto o sistema para o qual se planeja, quanto o seu ambiente mudam durante o processo de planejamento e nunca é possível levar-se todas estas mudanças em consideração. Em parte, em função disto é que existe uma necessidade contínua de atualização e "manutenção" de um plano.

3. Planejamento é um processo que se destina a produzir um ou mais estados futuros desejados e que não deverão ocorrer, a menos que alguma coisa seja feita. O planejamento, portanto, se preocupa tanto em evitar ações incorretas, quanto em reduzir a freqüência dos fracassos ao se explorar oportunidades. É óbvio que se se acredita que o curso natural dos acontecimentos vai produzir o estado futuro desejado, então nãonecessidade de se planejar. O planejamento, portanto, tem um componente pessimista e um otimista. O pessimismo está na crença de que, se não se fizer nada, o estado futuro desejado não deverá ocorrer. O otimismo está na crença de que alguma coisa possa ser feita para aumentar a probabilidade de que o estado futuro desejado venha a ocorrer.

Em resumo, podemos dizer que o planejamento é um processo que envolve tomada e avaliação de cada decisão de um conjunto de decisões inter-relacionadas, antes que seja necessário agir, numa situação na qual se acredita que, a menos que se faça alguma coisa, um estado futuro desejado não deverá ocorrer e que, se se tomar as atitudes apropriadas, pode-se aumentar a probabilidade de um resultado favorável.

 

 

 

 

PLANEJAMENTO TÁTICO E ESTRATÉGICO

A distinção entre planejamento tático e estratégico é sempre feita, mas quase nunca é clara. Decisões, que para alguns pareçam estratégicas, podem parecer táticas para outros. Daí podemos concluir que a distinção é relativa e não absoluta. Grande parte da confusão, e aparente ambigüidade, vem do fato de que a diferença entre planejamento tático e estratégico é tridimensional.

1. Quanto mais demorado for o efeito de um plano e quanto mais difícil for alterá-lo, mais estratégico ele será. Portanto, planejamento estratégico lida com decisões de efeitos duradouros que sejam difíceis de se modificar. Por exemplo, o plano de produção da próxima semana é mais tático e menos estratégico do que o planejamento de uma nova fábrica ou de um novo sistema de distribuição. Planejamento estratégico é para longo prazo. Planejamento tático é para prazo mais curto. Como, porém, "longo prazo" e "curto prazo" são termos relativos, "tático" e "estratégico" também o são. Em geral, o planejamento estratégico preocupa-se com o período de tempo mais longo com que valha a pena se preocupar, enquanto o tático preocupa-se com o período de tempo mais curto com que valha a pena se preocupar. Ambos são necessários. Eles se complementam. Eles são como a "cara" e a "coroa" de uma moeda: podemos examiná-los separadamente, podemos até discuti-los separadamente, mas não podemos separá-los de fato.

2. Quanto mais as atividades de uma organização forem afetadas por um plano, mais estratégico ele será. Ou seja, planejamento estratégico é amplo. Planejamento tático é mais restrito. "Amplo" e "restrito" também são conceitos relativos que aumentam a relatividade do que é "estratégico" e do que é "tático". Um plano estratégico para um departamento pode ser um planejamento tático do ponto de vista de uma divisão. Em condições idênticas, planejamento ao nível da administração central é, geralmente, mais estratégico do que a qualquer nível inferior.

3. Planejamento tático se destina a escolher os meios pelos quais se tentará atingir objetivos especificados. Os objetivos são, geralmente, ditados pelos níveis hierarquicamente mais altos na organização. O planejamento estratégico destina-se tanto à formulação dos objetivos quanto à escolha dos meios para atingi-los. Planejamento estratégico, portanto, se orienta para fins e para meios. Entretanto, "meios" e "fins" são também conceitos relativos. Por exemplo, "anunciar um produto" é um meio de "vendê-lo". "Vendê-lo", entretanto, é um meio de se chegar ao fim "lucro" e lucro é, em si mesmo, um meio de se chegar a muitos outros fins.

Em resumo, planejamento estratégico é planejamento empresarial a longo prazo, que é orientado para objetivos-fins (mas não apenas para estes). Deve estar claro que tanto o planejamento estratégico quanto o tático são necessários para maximizar o progresso da empresa.

AS PARTES DO PLANEJAMENTO

Como o planejamento deveria ser um processo contínuo, nenhum plano seria definitivo; estaria sempre sujeito à revisão. Um plano, então, não é o produto final do processo de planejamento; é um relatório intermediário. É um registro de um conjunto de decisões interdependentes, que pode ser dividido de diversas maneiras. Planejadores diferentes preferem maneiras diferentes de subdividir as decisões que devam ser feitas. Desde que todas as decisões importantes sejam consideradas, as diversas maneiras de se dividir um plano em partes são principalmente uma questão de preferência pessoal ou de estilo. Portanto, não precisamos nos preocupar com as vantagens e as desvantagens relativas das diferentes maneiras de se dividir um plano.

A ordem em que as partes do planejamento são apresentadas aqui, não representa, necessariamente, a ordem na qual elas devam ser desenvolvidas. Lembrem-se de que o conjunto de decisões que o planejamento envolve não pode ser subdividida em subconjuntos independentes. Portanto, as partes de um plano e as fases do processo de planejamento que produza aquelas partes devem interagir. A ordem em que apresento as partes, portanto, reflete apenas a minha opinião sobre a ordem em que geralmente é mais conveniente começar a pensar sobre elas.

As partes são apenas identificadas neste ponto, pois cada uma será discutida posteriormente em capítulos específicos.

1. Fins. Especificação de objetivos e metas.

2. Meios. Escolha de políticas, programas, procedimentos e práticas através dos quais se tentará atingir os objetivos.

3. Recursos. Determinação dos tipos e quantidades de recursos necessários, como eles devem ser gerados ou obtidos e como eles devem ser alocados às atividades.

4. Implantação. Determinação de procedimentos para tomada de decisão e de uma maneira de organizá-los para que o plano possa ser executado.

5. Controle. Determinação de procedimentos para antecipar ou detectar erros no plano ou falhas na sua execução e para prevenir ou corrigir continuamente estes erros e estas falhas.

Estas são as partes que, na minha opinião, um plano deveria conter. Muitos planos não as contêm. Quais dessas partes um plano contém e a atenção relativa que elas recebam é, em grande parte, uma questão de filosofia dos que planejam.

FILOSOFIAS DO PLANEJAMENTO

Na medida em que os planejadores se tomam mais autoconscientes e conhecedores do processo no qual eles estão envolvidos, certas atitudes, conceitos, filosofias, ou o que pode até ser chamado de estratégia do planejamento passam a ser notadas pelos estudiosos do processo. Parece haver três filosofias dominantes. Elas são apresentadas aqui em sua forma "pura", ficando claro que quase todo planejamento envolve uma mistura dessas três filosofias, apesar de ser dominado por um desses três pontos de vista que chamo de satisfação, otimização e adaptação. Estes nomes não são muito bons porque suas implicações são vagas e ambíguas, porém infelizmente não consegue arranjar nomes melhores, Não me oponho, portanto, à substituição deles por outros nomes. O ponto de vista que mais prevalece - o da satisfação - é discutido primeiro e o que é menos utilizado - o da adaptação - por último.

 

Satisfação

É um termo extremamente útil, criado por Herbert A. Simon, que designa os esforços para se atingir algum nível de satisfação, mas não necessariamente para exceder este nível. Satisfazer é, pois, fazer "bastante bem", mas não necessariamente "tão bem quanto possível". O nível de realização que define "satisfação" é aquele que simplesmente satisfaça o tomador de decisões.

O planejamento satisfatório começa com o estabelecimento de objetivos e metas que se acredita, sejam tanto viáveis quanto desejáveis. E a atribuição dessas duas propriedades aos objetivos e metas geralmente baseia-se num consenso entre os planejadores.

Objetivos e metas são geralmente formulados pelos planejadores do satisfatório em termos de medidas de desempenho comumente utilizadas (por ex. lucro ou rentabilidade), ou em termos qualitativos (por ex. boas relações com os empregados). De uma maneira radical poder-se-ia dizer que o planejador do satisfatório parece operar com base no princípio de que, se não se pode medir aquilo que se queira, deve-se então querer aquilo que se possa medir ou então aquilo que não se queira medir. Por exemplo, para a maioria dos administradores, o objetivo de anunciar é aumentar vendas. Entretanto, o aumento de vendas produzido pela propaganda é difícil (senão impossível) de medir. Lembrança das mensagens, o número de "impressões" que elas deixam ou mudanças de "atitudes" que elas produzam são, aparentemente, fáceis de medir e, portanto, o planejador satisfatório de marketing tende a definir objetivos de propaganda em termos de lembranças, impressões e atitudes, em vez de em termos de aumento de vendas.

É muito comum o planejador do satisfatório estabelecer apenas algumas metas simples; por exemplo, aumentar os rendimentos anualmente em 10 por cento ou a parcela de mercado anualmente em 5 por cento. Ele, normalmente, não se preocupa com a maneira de mediar conflitos que possam surgir entre tais metas; por exemplo, se uma parcela específica de mercado e um determinado lucro não podem ser obtidos simultaneamente a curto prazo, o planejador do satisfatório provavelmente não fornecerá à administração uma base para determinar o equilíbrio entre estes dois objetivos.

O planejador do satisfatório geralmente começa por estabelecer objetivos e metas. Como ele não procura estabelecê-los tão "elevados" quanto possível, mas apenas "satisfatoriamente elevados", ele tem que rever estes objetivos e metas, somente quando eles não se tornam viáveis. Estabelecidos os objetivos e metas o planejador procura apenas uma maneira viável e aceitável de tentar atingi-los; novamente ele não procura a melhor maneira possível.

A orientação deste tipo de planejador se parece muito com a noção política da "arte do possível". No que raramente é um procedimento sistemático, ele tenta "maximizar" viabilidade, conceito este que ele raramente define explicitamente. Ele tenta fazer isso da seguinte maneira: a) minimizando o número e a magnitude dos desvios de práticas e políticas atuais; b) especificando pequenos aumentos de recursos necessários; e c) não fazendo mudanças substanciais na estrutura organizacional (pois essas mudanças geralmente encontram oposição daqueles que são afetados).

No seu esforço para obter um conjunto viável de procedimentos, programas e políticas, os planejadores do satisfatório raramente formulam e avaliam sistematicamente muitas alternativas porque qualquer conjunto viável lhes satisfará. Geralmente, eles estão mais preocupados em identificar antigas deficiências, produzidas por políticas atuais, do que em explorar oportunidades futuras. Portanto, em certo sentido, o planejador do satisfatório tende a enfrentar o futuro, atento ao passado.

 

Em termos de planejamento de recursos, a maior parte dos planejadores do satisfatório está preocupada com um recurso: dinheiro. Sua orientação é dominada pelos aspectos financeiros do negócio. Muito raramente eles dão atenção detalhada a recursos humanos, instalações, equipamentos, materiais e serviços. Não fazem isto porque acreditam que, se há dinheiro disponível, qualquer que for o tipo de recurso exigido, pode ser adquirido quando necessário. Isto, porém, pode trazer dificuldades quando é necessário algum tempo para se adquirir ou produzir os recursos necessários; por exemplo, às vezes leva-se muito tempo para se formar pessoal treinado na própria companhia.

Os planejadores do satisfatório refletem uma preocupação predominante dos executivos com finanças. Eles enfatizam projeções ou extrapolações de tendências financeiras e ou de orçamentos atuais. Previsões financeiras e orçamentos são partes fundamentais do planejamento, mas elas tendem a dominar o modo de pensar dos planejadores do satisfatório e a minimizar ou excluir outras partes essenciais do processo do planejamento.

Eles tentam evitar mudanças organizacionais porque elas, muitas vezes, causam controvérsia. Seus planos raramente exigem uma reorganização da empresa para a qual se planeja. Eles preferem não "mexer com o barco".

Planejadores orientados para esta filosofia do satisfatório geralmente lidam com apenas uma previsão do futuro, e mesmo assim como se esse futuro fosse virtualmente certo de ocorrer. Dai eles elaboram planos pouco flexíveis. Raramente lidam explicitamente com possibilidades e muito menos com probabilidades. Eles presumem que se ocorrer o inesperado, a organização é capaz de lidar com ele. Portanto, raramente montam um sistema formal de controlar um plano depois de sua implantação.

O enfoque satisfatório ao planejamento é geralmente defendido com o argumento difícil de refutar de que é melhor produzir um plano viável que não é ótimo, do que um plano ótimo que não é viável. Mas, esse argumento se baseia na crença de que a idéia de viabilidade não pode ser incorporada à idéia de otimização. Isto não é verdade. É possível tentar elaborar o melhor plano viável Otimização pode (e deve) ser definida de maneira a levar a viabilidade em consideração, apesar de até os planejadores otimizantes raramente tentarem fazer isto. Tal esforço tem a vantagem de forçar o planejador a examinar de maneira crítica os critérios de viabilidade - critérios que raramente são explicitados no processo de planejamento do satisfatório. Além do mais, a afirmativa de que "um plano viável que não é ótimo é melhor que um plano ótimo que não é viável", deveria ser contrabalançada por outra afirmativa igualmente poderosa de que "a execução incompleta de um plano ótimo pode ser melhor que a execução completa de um plano que é apenas satisfatório ".

Não é de se surpreender que um planejamento satisfatório raramente leve a uma mudança radical do passado. Ele, geralmente, produz planos conservadores que dão continuidade de maneira confortável à maioria das políticas atuais, corrigindo apenas deficiências óbvias. Tal tipo de planejamento, portanto, interessa a organizações que estão mais preocupadas com sobrevivência do que com desenvolvimento e crescimento.

A deficiência mais séria desse tipo de planejamento é que ele raramente aumenta a compreensão do sistema para o qual se está planejando ou do processo de planejamento em si. O planejador do satisfatório tende a usar somente conhecimento e compreensão disponíveis do sistema; raramente ele se envolve em pesquisa que se destine a aumentar tal conhecimento e compreensão. Seu planejamento não é orientado para a pesquisa. Por esta e por outras razões seu planejamento geralmente requer menos tempo, dinheiro e capacidade técnica do que os outros tipos de planejamento. Isto, é claro, é uma de suas principais atrações.

 

Otimização

Neste segundo tipo de planejamento faz-se um esforço não apenas para fazer bastante bem, mas tão bem quanto possível. Um enfoque otimizante ao planejamento tem sido possível' em grande parte graças ao desenvolvimento e uso de modelos matemáticos de sistemas para os quais se está planejando. Para aqueles que não estejam familiarizados com tais modelos, uma breve discussão de sua origem, natureza e usos pode ser útil.

Modelos e Otimização. A experimentação é uma parte essencial da ciência, mas sistemas grandes (sistema solar, empresarial ou governamental) não podem ser levados para dentro de um laboratório, e experimentos não podem ser conduzidos neles como um todo, dentro de seu ambiente natural. Portanto, desde que a experimentação seja necessária para se conseguir conhecimentos e controle de tais sistemas, e como não pode ser conduzida neles, os testes devem ser feitos em outra coisa que não o sistema em estudo. É claro que para que a experimentação leve a um conhecimento importante para o sistema, ela deve ser conduzida em algo que se pareça com o sistema em estudo. Modelos são representações de sistemas que sirvam a este propósito. Eles podem ser representações físicas (corno os modelos de aviões em túneis de provas ou de navios em tanques especiais), representações gráficas (como diagramas ou gráficos), ou simbólicas (como equações matemáticas).

Uma experiência feita num modelo de sistema é chamada de simulação. Quando são usados modelos simbólicos, entretanto, é multas vezes possível determinar quais seriam os resultados de uma experiência sem realmente realizá-la, através de processos dedutivos (como por ex., análise matemática). Isto pode freqüentemente economizar muito tempo e esforço e pode dar resultados muito mais precisos do que aqueles que possam ser obtidos pela simulação.

O uso de modelos simbólicos é fundamental na metodologia de Pesquisa Operacional. Estes modelos variam muito em tamanho, forma e complexidade; mas como todos eles lidam com processos de tomada de decisão, todos têm alguma estrutura em comum. Um modelo de decisão geralmente tem duas partes: uma função objetiva e um conjunto de uma ou mais restrições.

Uma função objetiva é uma equação da seguinte forma:

desempenho do sistema (P) = alguma relação entre (f ) variáveis controláveis (C) e variáveis fora de controle (U), ou mais simplesmente:

P = f (C, U)

A medida do desempenho do sistema é aquela que o administrador deseje maximizar ou minimizar (isto é otimizar). Quando objetivos múltiplos estão envolvidos, uma medida única de desempenho ainda pode ser possível. As teorias do valor e da decisão são conhecimentos usados no desenvolvimento de medidas apropriadas de desempenho. Tal desenvolvimento pode ser a parte mais difícil no processo de pesquisa. Mas sem um critério explícito para a avaliação de práticas e políticas alternativas, como pode uma pessoa saber se ela está desempenhando bem, quanto mais assegurar-se de que está se saindo tão bem quanto possível ?

As variáveis controláveis são as que o tomador de decisões pode manipular: por exemplo, a quantidade de dinheiro a ser investido em várias atividades empresariais, preço e tamanho de    produtos e localização de fábricas. As variáveis fora de controle são aquelas que não estejam sujeitas ao controle do tomador de decisões, mas que, mesmo assim, afetem o desempenho do sistema: por exemplo, as condições atmosféricas, o desempenho da economia, o comportamento dos concorrentes, desenvolvimentos tecnológicos e as preferências dos consumidores.

A segunda parte de um modelo de decisão geralmente consiste em uma ou mais afirmativas simbólicas, nas quais os limites do controle do tomador de decisão são precisamente definidos; por exemplo, se num problema de orçamento uma empresa tem que alocar fundos para cinco divisões ou departamentos, então a soma destas cinco alocações de verba deve ser igual a, ou maior que, zero, e não pode exceder a quantia total de dinheiro disponível na companhia.

Tais modelos representam tanto a decisão quanto o sistema afetado por ela. Relaciona o desempenho do sistema com o que o tomador de decisões pode fazer.

Estando o modelo de decisão construído, o problema do pesquisador é encontrar os valores das variáveis controláveis, as quais, sujeitas às restrições e sob condições fora de controle especificadas, podem otimizar o desempenho do sistema. Esses valores otimizantes das variáveis controláveis são procurados ou através de simulação ou de análise dedutiva. Em ambos os processos, os computadores têm tido um papel importante. Eles possibilitam ao pesquisador lidar com modelos extremamente complexos, sem o que, isto não seria possível.

Um exemplo muito simples de elaboração de um modelo é dado no apêndice deste livro, contendo uma descrição não-técnica de um modelo que foi desenvolvido para otimizar investimentos em pesquisa e desenvolvimento.

Voltando à Otimização. Corno foi observado antes, o otimizador tenta formular os objetivos da empresa em termos quantitativos e reuni-los numa única medida de desempenho empresarial total. Ele pode não ter êxito completo nessa tarefa, mas geralmente consegue traduzir objetivos qualitativos formulados vagamente em termos quantitativos mais precisos. Além do mais, ele consegue muitas vezes transformar diversas metas em medidas em uma escala única (geralmente monetária) e pode, portanto, combiná-las numa única medida geral de desempenho. Infelizmente, o otimizador tende a ignorar metas que ele não possa quantificar. .Isso pode distorcer o valor, de seu trabalho e produzir uma insatisfação justificada nós administradores, os quais devem combinar resultados quantitativos com seus próprios julgamentos qualitativos sobre problemas importantes que não foram levados em consideração.

O planejador otimizante procura as melhores políticas, programas, procedimentos e práticas disponíveis, através do uso de modelos matemáticos. O êxito de tal planeja- dor depende de quão completa e exata é a representação do sistema em seu modelo e de como ele extrai soluções do modelo que foi elaborado. Suas possibilidades são no momento limitadas, pois ele não pode construir um modelo que represente todos os aspectos de um sistema empresarial total. Ele tem que construir modelos de partes e, em conseqüência da complexidade ainda impenetrável de algumas delas, ele não pode construir modelos de todas essas partes. Portanto, tende a planejar apenas para aquelas unidades ou aspectos de um sistema para o qual ele pode construir e resolver modelos. Algumas vezes seu comprometimento com o enfoque que ele chama de "racional" justifica a definição de Ambrose. Bierce deste termo: "isenta de quaisquer desenganos, exceto aqueles decorrentes da observação, experiência e reflexão"   ( de The Devil's Dictionaire, 1911).

Mesmo os esforços mal sucedidos no sentido de se desenvolver planos realmente ótimos quase sempre produzem um subproduto valioso: uma compreensão mais profunda do sistema para o qual se planeja. Infelizmente, essa compreensão nem sempre é comunicada com êxito aos administradores envolvidos.

O planejador otimizante tenta: a) minimizar os recursos necessários para se obter um nível específico de desempenho; b) maximizar o desempenho que pode ser obtido com recursos que estão (ou que se espera que estejam) disponíveis; ou c) obter o melhor equilíbrio de custos (recursos consumidos) e benefícios (desempenho). Considerações explícitas sobre todos os tipos de recursos são mais comuns entre planejadores otimizantes do que entre planejadores do satisfatório, apesar de que os otimizantes também tendam a enfatizar recursos financeiros. Especialistas em Pesquisa Operacional desenvolveram modelos (e a maneira de resolvê-los) que podem e têm sido utilizados para otimizar o tamanho e a localização de instalações, distribuição de materiais e bens para e entre estas instalações, e delas para os consumidores, renovação de equipamento e políticas de manutenção, decisões de comprar ou fazer e muitas outras decisões que sejam importantes no planejamento de recursos. Eles podem fazer isto mesmo quando a demanda futura é incerta; isto é, quando ela pode ser prevista com margens de erro.

É provável que o planejamento de instalações, equipamentos, materiais e serviços será tratado de maneira mais adequada pelos planejadores otimizantes do que o planejamento de pessoal. Técnicas quantitativas para lidar com pessoal ainda não estão bastante desenvolvidas, mas estão sendo aperfeiçoadas.

Planejadores otimizantes raramente tratam de maneira explícita da estrutura organizacional porque modelos deste aspecto de uma empresa apenas começaram a ser desenvolvidos. Por "estrutura organizacional" quero dizer a maneira pela qual o trabalho feito em uma organização é dividido em partes (por ex., por funções como produção e marketing ou por tipo de produto ou por área geográfica) e como o trabalho é atribuído às partes da organização. A estrutura se reflete não apenas nas responsabilidades dadas às partes da organização, mas também nas medidas de desempenho aplicadas a elas, pois estas definem os objetivos das partes. O objetivo do planejamento organizacional é montar uma organização que possa efetivamente atingir seus objetivos globais e, especificamente, executar os planos que sejam feitos.

Atualmente, o máximo que pode ser feito é otimizar estruturas complexas em relação a problemas muito simples ou estruturas simples em relação a problemas complexos. Por enquanto, não podemos otimizar estruturas complexas em relação a problemas complexos. Por exemplo, podemos determinar como dividir responsabilidades sobre os estoques entre as funções de compra e venda numa organização relativa- mente simples como uma loja de departamentos. Mas a divisão ótima desta responsabilidade sobre o estoque de produtos acabados num processo complexo integrado verticalmente (como numa companhia petrolífera) está além de nossas possibilidades atuais.

Quando apenas técnicas quantitativas de otimização são inadequadas para produzir a melhor estrutura organizacional, elas podem ser combinadas com o bom-senso para produzir uma estrutura que seja aproximadamente ótima.

Em geral, tentativas de otimizar estrutura requerem uso extensivo de julgamentos qualitativos. Muitos otimizantes preferem evitar tais julgamentos e, portanto, ou omitem este importante aspecto do planejamento ou o transferem para outros, cujo resultado não integram aos seus próprios.

Até os mais detalhados planos otimizantes podem ser sabotados por muitas pequenas ações (ou omissões) tomadas por indivíduos que, individual ou coletivamente, não estão motivados para agir de uma maneira que seja compatível com os objetivos estabelecidos; por exemplo, vi administradores e outros funcionários de uma unidade, que estava planejada para ser dissolvida após um certo período de tempo, tornar atitudes que aumentaram a dificuldade de acabar com as suas operações., A implantação de um plano não pode nunca ser mecanizada. Depende sempre da boa-vontade e da cooperação de indivíduos e grupos dentro da organização. Muitos planejadores otimizantes tendem a tratar organizações e suas partes como se elas fossem totalmente programadas; elas não o são. Portanto, a atenção para a motivação dos indivíduos e grupos dentro da organização deveria ser (mas raramente é) parte essencial do seu planejamento. Onde não existe motivação apropriada, é responsabilidade do planejador fazer com que ela seja desenvolvida.

Finalmente, planejadores otimizantes podem construir e constroem sistemas de controle capazes de detectar. e corrigir erros cuja possibilidade de ocorrência foi prevista; isto é, eles criam controles que determinam quando a organização não conseguiu atingir suas expectativas, mas não determinar quando alcançar essas expectativas constitui um fracasso (isto é, quando a organização falhou em explorar o inesperado). Oportunidades que não foram previstas geralmente batem à nossa porta apenas uma vez. Não abrir a porta é um erro de omissão. Ação incorreta em relação a oportunidades antecipadas é desempenho inadequado. Controles otimizantes são geralmente dirigidos apenas contra o segundo.

Nem tudo que pode acontecer pode ser previsto. O número de coisas inesperadas que acontece é muito grande para ser controlado por uma unidade centralizada, tal como os planejadores otimizantes geralmente desejam. Todas as partes da organização deveriam ser capazes de exercer autocontrole e de responder eficazmente ao inesperado, mesmo quando não controladas de cima.

Resumindo: as técnicas de otimização têm sido, em geral, mais úteis em planejamento tático do que em planejamento estratégico. Essas técnicas são atualmente aplicadas apenas a alguns aspectos do planejamento estratégico. Elas têm utilidade razoável, a menos que o custo de utilizá-las corresponda à omissão dos aspectos do planejamento aos quais elas não são ainda aplicáveis. Um planejamento estratégico global ótimo está além das nossas capacidades atuais, mas um planejamento que otimize partes de um plano, e integre estas às outras partes que foram planejadas por outras técnicas que não as de otimização, pode ser extremamente útil. Em outras palavras, um processo de planejamento que empregue, onde for possível, otimização quantitativa, e onde for necessário, satisfação qualitativa, provavelmente produzirá resultados melhores do que o planejamento somente satisfatório ou somente otimizante.

Adaptação

Este tipo de planejamento é, muitas vezes, chamado de inovador. Ele não é, porém, muito utilizado, porque ainda não desenvolvemos um conceito claro e global dele nem uma metodologia sistematizada de executá-lo. Portanto, ele é mais uma aspiração do que uma realidade. Entretanto, a adaptabilidade pode ser utilizada em organizações, numa escala muito maior do que se acredita atualmente.

Planejamento de adaptação tem três partes principais:

1. Baseia-se na crença de que o principal valor do planejamento não está nos planos que ele produz, mas sim no processo de produzi-lo. De fato, o slogan do planejador da adaptação é que "o processo é o nosso produto mais importante". Depreende-se disto, portanto, que o valor do planejamento para os administradores está, principalmente, na sua participação no processo e não no uso dos resultados do planejamento. Conclui-se daí que o planejamento eficaz não pode ser feito para uma organização: ele deve ser feito pelos administradores responsáveis.

Este ponto de vista está bem expresso na seguinte observação feita por Eric Trist (1968, pág. 26):

"Michel Crozier ... que está desenvolvendo um estudo sociológico da tomada de decisão do plano Ve demonstrou que o efeito mais importante do planejamento francês não está tanto no fato de se atingir as metas, mas no aprendizado social das diversas comissões que atuam na elaboração, implantação e revisão do plano."

2. Quase toda a necessidade atual de planejamento provém da falta de administração e controles eficazes. É o próprio homem que produz a maior parte da confusão que o planejamento tenta eliminar ou evitar. Portanto, o principal objetivo do planejamento deveria ser o de desenvolver uma organização e um sistema de administrá-la que minimizará a necessidade futura de planejamento retrospectivo - isto é, planejamento dirigido para o objetivo de eliminar as deficiências produzidas por decisões do passado - e fazer isto através da redução da possibilidade de tais deficiências ocorrerem. O objetivo é não eliminar o planejamento prospectivo, isto é, o que se destina a criar um futuro desejado.

3. Nosso conhecimento do futuro pode ser dividido em três tipos: certeza, incerteza e ignorância; cada um requer tipos diferentes de planejamento: compromisso, contingência e adaptação.

a. Em primeiro lugar, há certos aspectos do futuro sobre os quais nós podemos ficar virtualmente certos. Há certas mudanças futuras que podem ser praticamente inevitáveis e há certas coisas que seguramente não mudarão; isto é, aspectos do ambiente que permanecerão estáveis. Para dar alguns exemplos simples, a porcentagem de homens e mulheres na população pode não mudar, mas o número de jovens de 21 anos nos Estados Unidos pode mudar de agora até 1980. Entretanto, até número pode ser calculado quase que com certeza. Os aspectos relativamente certos do futuro podem (e freqüentemente são) difíceis, de identificar. Muita pesquisa pode ser necessária para descobri-los. Eles se tomam multas vezes, óbvios apenas retrospectivamente; por exemplo, apenas agora está se tomando óbvio que haverá muita exigência para se medir graus de poluição do ar e da água.

Com relação a estes aspectos do futuro, sobre os quais é possível estar virtualmente certos, podemos elaborar um planejamento de compromisso. Mas, mesmo aqui a possibilidade de erro deve ser levada em consideração por meio da elaboração de controles apropriados. É necessária uma atualização contínua das suposições daquilo que é inevitável ou daquilo que é imutável. Além do mais, a prudência manda que compromissos não sejam nunca assumidos antes do necessário para se atingir os objetivos desejados. Nem sempre é melhor ser o primeiro a tentar explorar uma nova oportunidade.

Podemos, de certa maneira, dizer que o bom planejamento a longo prazo envolve, entre outras coisas: 1) descobrir o inevitável, 2) determinar como explorá-lo, e 3) receber crédito por tê-lo descoberto.

b. Em segundo lugar, há certos aspectos do futuro sobre os quais não podemos estar relativamente certos, mas que podemos estar razoavelmente certos de quais são as possibilidades deles ocorrerem; por exemplo, podemos não saber que tipo de fonte de propulsão eventualmente irá tomar o lugar do motor a combustão interna dos automóveis, mas podemos estar razoavelmente certos de que ou será uma máquina do mesmo tipo, aperfeiçoada, ou uma movida a vapor ou eletricamente, por uma bateria ou célula de combustível. Nestes casos é necessário um planejamento para contingências; isto é, deveríamos fazer um plano para cada eventualidade, de maneira que possamos explorar rapidamente as oportunidades que se apresentem quando "o futuro se decidir".

O planejamento para contingências é antigo nos meios militares, mas é relativamente novo em administração; por exemplo, no planejamento de uma invasão militar leva-se sempre em consideração cada resultado possível de uma operação e são feitos planos para lidar com cada um desses resultados. Os planejadores militares não esperam para ver o que acontece para depois planejar o que fazer. Eles tentam cobrir toda e qualquer possibilidade antecipadamente, porque o fator tempo é fundamental quando uma possibilidade se torna uma realidade.

c. Finalmente, há aspectos do futuro que não podemos antecipar; por exemplo, catástrofes naturais ou políticas ou descobertas tecnológicas. Não podemos nos preparar para isto diretamente, mas podemos fazê-lo indiretamente, através de planejamento adaptável. Tal planejamento se destina a montar uma organização e um sistema para administrá-la, capaz de detectar rapidamente desvios daquilo que é esperado e responder a eles eficazmente. Portanto, o planejamento adaptável consiste em inserir adaptabilidade e flexibilidade numa organização.

A Natureza da Adaptação. Adaptação é a resposta a uma mudança (estímulo) que reduz de fato ou potencialmente a eficiência do comportamento de um sistema; uma resposta que evite que essa redução ocorra. A mudança pode ser interna (dentro do sistema) ou externa (no seu ambiente). Por exemplo, uma mudança no pessoal administrativo que reduza a eficiência empresarial seria um estímulo interno, mas uma mudança na política de preços de um concorrente seria um estímulo externo.

Respostas adaptáveis são também de dois tipos. No primeiro, na adaptação passiva, o sistema muda seu comportamento para ter um desempenho mais eficiente dentro de um ambiente em mutação (por ex., uma pessoa colocando um agasalho quando começa a sentir frio ou uma companhia reduzindo seus custos e preços quando a concorrência faz o mesmo); no segundo tipo, na adaptação ativa, o sistema muda o seu ambiente para que o seu próprio comportamento, presente ou futuro, se tome mais eficiente (por ex., ligando o aquecimento quando se começa a sentir frio dentro de uma casa ou conseguindo alguma legislação para evitar reduções de preço pelos concorrentes). (Ver F. E. Emery, 1967, para uma discussão mais detalhada dessa distinção.) Estes dois tipos de adaptação podem, é claro, ser combinados.

Mudanças no ambiente podem ser rápidas e de curta duração (por ex. na demanda de um produto de um dia para o outro), ou lenta e de longa duração (por ex., lançamento de um novo produto por um concorrente). Uma organização adaptável deveria ser capaz de lidar com ambos os tipos. Vejamos o que é necessário para isso.

Obviamente, necessitamos flexibilidade nas instalações, equipamentos e pessoal. Por exemplo, a direção do fluxo de tráfego no terceiro Lincoln Tunnel, que liga Nova Jersey a cidade de Nova Iorque pode ser revertida dependendo da mudança na demanda da manhã para a tarde. O mesmo pode ser feito nas duas pistas centrais de uma via expressa em Chicago. Tal flexibilidade pode ser planejada freqüentemente, até com economias consideráveis. Três túneis, um dos quais reversível, podem dar vazão ao mesmo tráfego que quatro túneis de mão-única, em virtude da assimetria do trânsito para dentro e para fora de Nova York pela manhã e à tarde. De maneira ideal, gostaríamos de ter instalações que pudessem servir a qualquer propósito e pudessem contrair e expandir, dependendo da demanda. Tal flexibilidade é possível até certo ponto. Portanto, a demanda em si deve ser, pelo menos, parcialmente controlada.

Controle de demanda a curto prazo e a longo prazo geralmente requer diferentes enfoques. Consideremos, em primeiro lugar, o problema a longo prazo.

Um fabricante de máquina-ferramenta estava sujeito a flutuações tão grandes na demanda quanto na proporção de dois para um em anos sucessivos. Isto não permitia o uso eficaz de instalações e pessoal. A companhia procurou outro produto altamente cíclico, mas contracíclico, que exigisse a mesma tecnologia que ela usava. Encontrou tal produto na forma de equipamentos para construção de estradas e entrou no negócio. Assim fazendo, a companhia reduziu as variações anuais na produção para apenas uma pequena fração do que essas variações tinham sido anteriormente.

Assim, uma maneira de se obter controle sobre o futuro é reduzir as variações esperadas nas partes essenciais do sistema ou de seu ambiente.

Examinemos outra companhia que produzia matéria-prima que era utilizada em mais de três mil formas diferentes. Destas, aproximadamente 10 por cento eram responsáveis por todos os lucros e pela maior parte do volume de negócios. Pequenos pedidos para o grande número restante de produtos, de pequena saída e não-lucrativos, levavam a interrupções freqüentes da produção, cuja programação era dirigida para lotes contínuos dos itens lucrativos de muita saída. A gerência de marketing recusava-se a retirar da linha de produção os itens não-lucrativos de pouca saída, ou a aumentar os seus preços até mesmo para cobrir os custos. Fia argumentava que isto desagradaria àqueles compradores que eram também grandes consumidores dos itens lucrativos de muita saída e a companhia correria o risco de perder esses clientes.

O enfoque de um planejador otimizante para este problema consistiu em se construir um modelo do sistema produção-estoque-vendas e derivar dele uma maneira de se programar a linha de produção de forma a atender à demanda - uma maneira que minimizou o total dos custos de produção, de manutenção e de falta de estoques. As melhorias conseguidas foram significativas, mas pequenas.

Um planejador que adota a filosofia da adaptação tomou um enfoque diferente. Ele descobriu que eliminando-se 4 por cento dos itens menos lucrativos da linha de produção, poderia reduzir os custos de produção e, assim, aumentar os lucros de uma quantia igual à que o aperfeiçoamento do planejador otimizante tinha obtido. Ele se concentrou, então, no sistema de marketing, e não no de produção, e viu que os vendedores recebiam um salário-base, mais uma percentagem sobre o valor de suas vendas. Isto levou-o a montar um novo plano de incentivo aos vendedores. Um plano que era voltado para lucro e não para volume. Passou-se a não pagar comissão sobre vendas dos itens não-lucrativos e a pagar uma mais alta sobre os itens lucrativos. O plano foi feito de tal maneira que, se os vendedores continuassem a vender a mesma combinação dos itens que eles vendiam antes, seus rendimentos não mudariam.

No primeiro ano de execução do plano, quase a metade dos itens não-lucrativos tiveram suas vendas praticamente cessadas e as vendas dos itens lucrativos aumentaram substancialmente.

O planejador otimizante geralmente aceita a estrutura do sistema como ela é e procura uma alternativa de ação que resolva o problema da melhor maneira sem mexer nela. O planejador adaptador, por outro lado, tenta mudar o sistema de maneira a que um comportamento mais eficiente suja "naturalmente".

O princípio de controle usado no último exemplo é da maior importância no planejamento adaptável, porque ele fornece um meio eficaz de se lidar com variações num sistema tanto a curto quanto a longo prazo. Envolve a motivação dos participantes do sistema para agir de uma maneira que seja compatível com os interesses da organização como um todo e faz isto dando incentivos que tomem os objetivos individuais e organizacionais mais compatíveis.

Examinemos este princípio do ponto de vista do controle de tráfego e como ele pode ser adotado para levar as pessoas a usarem os sistemas de transporte de maneira a atender mais eficazmente aos seus próprios interesses e aos da comunidade. Em primeiro lugar, as taxas de pedágio cobradas em pontes, túneis e vias expressas, pelo menos durante os períodos de maior movimento, poderiam ser cobradas inversamente proporcionais ao número de passageiros num carro. Mais especificamente, o pedágio se basearia no número de lugares vazios num carro de passageiros. Assim, um carro com dois lugares ocupado por dois passageiros pagaria um pedágio mais baixo do que um carro com seis lugares e apenas dois, três, quatro ou cinco passageiros. Um carro com seis lugares e três passageiros pagaria um, pedágio mais baixo do que um com apenas dois. Isto incentivaria uma melhor ocupação de todos os carros e um maior uso de carros menores.

Em segundo lugar, as taxas de pedágio poderiam variar com a demanda. Quanto maior a demanda para uma rodovia, maior as taxas cobradas. Portanto, as taxas aumentariam durante as horas de muito movimento e diminuiriam quando o movimento fosse menor. Isto produziria uma utilização mais constante dos sistemas viários.

O pensamento adaptável, é claro, não é novo, mas o planejamento que esteja sistemática e primordialmente voltado para se produzir organizações adaptáveis o é. Apenas começamos a explorar as possibilidades de tal planejamento. Os que assim fazem mais eficazmente têm maiores possibilidades de desenvolver e explorar as potencialidades de suas organizações.

CONCLUSÃO

Atualmente, o planejamento satisfatório é o único dos três enfoques ao qual, geralmente, podemos aderir de forma completa. Não podemos otimizar completamente e podemos apenas começar a tornar um plano adaptável. Entretanto, podemos levar nosso esforço de planejamento às fronteiras da metodologia e, talvez, até ultrapassar estas fronteiras. O melhor que podemos fazer, no momento, é uma mistura dos três enfoques. Este não é o único ramo de atividades no qual se exigirá a união de métodos científicos com bom-senso e de tecnologia com julgamento subjetivo.

Quanto mais o planejamento empresarial passa do enfoque satisfatório para o adaptável, maior a necessidade de métodos, técnicas e instrumentos científicos. A importância das ciências administrativas e da tecnologia do computador aumenta na medida em que saímos fora do conceito tradicional de planejamento convencional. Isto não quer dizer que a necessidade da experiência e da participação dos administradores diminui; pelo contrário, aumenta. Apesar de poder ser mais fácil para os administradores que estão planejando fazê-lo de maneira satisfatória, é mais difícil para os especialistas em ciências administrativas desenvolver um planejamento adaptável sem a participação de administradores.

O planejamento otimizante exige uma melhor compreensão do comportamento da organização do que o planejamento satisfatório. O planejamento adaptável requer um conhecimento ainda maior do que o otimizante. Como os planejadores que adotam o enfoque adaptável operam em grande parte manipulando incentivos, e como procuram compatibilizar objetivos individuais, de unidades e coletivos, eles, então, precisam conhecer e se adaptar a valores da organização corno um todo, de suas partes e dos indivíduos que a compõem e, também, das organizações e dos indivíduos no seu ambiente cujos comportamentos afetam o sistema para o qual se planeja. O planeja- mento adaptável exige ainda uma compreensão da dinâmica dos valores: a maneira pela qual os valores se relacionam às necessidades individuais e à sua satisfação; como as mudanças em necessidades alteram valores; e o que produz mudanças em necessidades individuais. Portanto, a compreensão do comportamento individual e coletivo, necessária para o planejamento adaptável, é consideravelmente maior do que a compreensão que muitos planejadores e administradores possuem atualmente.

Um planejamento eficaz exige uma estreita colaboração de esforços entre especialistas criativos e administradores no sentido de resolver os muitos problemas difíceis envolvidos. Tal planejamento é caro e demanda tempo. Mas, provavelmente, nãooutra atividade numa companhia que possa dar tanta rentabilidade; e provavelmente nãooutra atividade que possa se tornar tão dispendiosa se se deixar de fazê-la.

Ackoff, Russel L. Planejamento Empresarial. Rio de Janeiro, Livros Técnicos e Científicos, 1978, p 1-14.