Ab'Saber censurado no Departamento!

 

Colegas de lista,

Em dezembro de 2004, eu preguei num mural que existia no corredor que dá acesso aos laboratórios deste Departamento uma página do jornal O Estado de São Paulo, a qual trazia uma entrevista com o geógrafo Aziz Ab’Saber. Nessa entrevista, ele, que é amigo pessoal de Lula e o assessorou em todas as suas campanhas presidenciais, fazia críticas contundentes ao governo do PT, conforme se pode ler no final desta mensagem. Para minha surpresa, porém, alguém arrancou a entrevista no mesmo dia em que eu a coloquei no mural! Não fiquei surpreso porque se tratasse de uma atitude estranha aos métodos petistas de fazer política (pelo contrário, esse ato de censura ao Ab’Saber foi, mutatis mutandis, a mesma coisa que o grupo hegemônico do PT fez com os petistas que, certos ou errados, prezavam sua história e sua coerência, caso notório da Heloísa Helena). Fiquei surpreso porque, antes de publicar aquela entrevista no mural, eu já havia colocado ali algumas matérias jornalísticas com críticas ao estelionato eleitoral de Lula e ninguém nunca as arrancou. Como é então que, justamente quando eu publiquei uma entrevista feita com um geógrafo, deram-se ao trabalho de fazer censura?

A resposta não foi difícil de deduzir. As matérias que eu havia posto no mural antes eram do jornal O Estado de São Paulo e da revista Veja, duas publicações às quais os geógrafos não dão crédito porque afirmam ser “de direita”, “reacionárias”, etc. Sim, os geógrafos brasileiros, filhotes da Geografia Crítica, ainda acreditam em certos dogmas antidemocráticos do marxismo, como a tese de que a grande imprensa é “burguesa” e, por isso mesmo, uma fábrica de mentiras. Mas como não dar crédito ao Ab’Saber, que, além de geógrafo, é esquerdista a não mais poder, como 90% dos geógrafos são? Nessa hora, o espírito stalinista incrustado no petismo e nos geógrafos (quase todos petistas) levou o autor da censura a tentar impedir que os freqüentadores do departamento dessem atenção a um colega de partido e de profissão que, num dado momento, tornou-se um aliado político incômodo. Não foi sempre assim que os partidos comunistas agiram contra seus dissidentes? Não foi assim que o PT agiu contra os petistas que desejaram que o governo Lula executasse as idéias que o partido defendeu durante toda a sua história?

Está certo que não deixei por menos. Fiz uma pesquisa na internet, descobri que a entrevista havia sido reproduzida no Jornal da Ciência, da SBPC, e colei uma cópia dela no mural. Dessa vez ninguém tirou, ou porque julgasse que umas folhas de sulfite impressas chamam menos atenção do que uma foto grande do Ab’Saber no jornal ou porque tivesse percebido que não adiantaria arrancar, pois a entrevista voltaria de novo, de novo e de novo...

Mas por que estou contando isso agora? Em primeiro lugar, porque desejo que as pessoas atentem muito bem para o perigo que as idéias que deram origem ao PT e à Geografia Crítica representam para a democracia e também para que se conscientizem de que esse perigo não está somente no Executivo federal, mas bem perto de todo mundo. Em segundo lugar, porque esse episódio reforça e ajuda a explicar o comportamento de alguns colegas de lista que, conforme eu já critiquei, usam este espaço para divulgar textos petistas repletos de mentiras cínicas, fraudes estatísticas e calúnias produzidas por publicações financeiramente dependentes do governo federal.

Ora, se eles acreditam que a imprensa mente porque é “burguesa”, então por que se furtariam a fazer uso da mentira e da censura aos próprios colegas de profissão para fazer triunfar o partido que eles julgam ser a encarnação do Bem, mesmo quando esse partido faz o oposto do que sempre prometeu? Fogo se combate com fogo, não é mesmo? Eles cometem o mesmo erro dos comunistas brasileiros que pensaram que as notícias publicadas n’O Estado de São Paulo sobre as denúncias feitas por Kruchev contra os crimes do stalinismo eram só uma farsa montada pela imprensa.

Para encerrar, quero deixar bem claro que essas críticas que faço nada têm de pessoais, ao contrário do que possa parecer. Como já disse o filósofo Roberto Romano, a diferença entre ética e moral está no fato de que a segunda é constituída por um conjunto de normas que rege o comportamento do indivíduo, enquanto a primeira rege o comportamento de grupos, caso dos códigos de ética profissional, como os que existem para regular o exercício da medicina e do direito. As pessoas que eu tenho criticado aqui agem moralmente na esfera de suas vidas privadas, sendo bons com seus parentes e amigos, bons alunos, etc. Mas a militância partidária que exercem nesta lista se orienta por uma ética política constituída de idéias autoritárias e equivocadas, bem como por uma visão condenável das relações entre ciência, ética e política. Uma visão que se sedimentou entre os geógrafos há quase trinta anos, quando se deu a hegemonia das idéias “críticas” e “radicais” em nossa comunidade profissional, conforme eu já escrevi em dois artigos publicados.

Diniz

EXCERTOS DA ENTREVISTA CONCEDIDA POR AB’SABER AO ESTADÃO EM 19.12.2004.

"O setor econômico, certamente, tem resultados consistentes. Isso porque o Palocci obedece rigidamente às indicações do Fundo Monetário Internacional. Em relação à educação, à preservação ambiental e a outros pontos, os erros são bárbaros. [...] Na área social, nota zero. No planejamento, para atender a áreas críticas do País, também nota zero. E há as falácias, como ‘a transposição das águas do São Francisco vai resolver o problema do semi-árido’. Nota zero, zero, zero”.

"Devemos pensar em um desenvolvimento que não agrida a continuidade da floresta. Lula assinou comigo essa idéia. Agora diz que a Amazônia não deve ficar intocada”.

"No começo do atual governo, quando se falou em Fome Zero, pensou-se em alguns lugares do Nordeste para servir de piloto. Um deles foi Guaíba, no Piauí. Tudo de Fome Zero foi então centrado em Guaíba. Acho ótimo do ponto de vista humano, assistencial e social, mas e os outros 750 mil quilômetros quadrados de sertões diferenciados? Se vou fazer um assistencialismo sub-regional, tenho de perceber todos os setores e não focar um só. Outro problema é percorrer as áreas e pensar somente no voto. Isso dá certo para políticos, mas não para o País. Lula fez propaganda do Fome Zero antes da vitória. [...] O programa está fracassando. O próprio presidente disse que é preciso reciclá-lo”.

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