Refletindo com o Chico de Oliveira
De: diniz@ufpr.br
Data: Sab, Outubro 7, 2006 12:55 pm
Para: fábio@ufpr.br (mais)
Pois é, pessoal
Enquanto eu me dou ao trabalho de escrever textos de minha própria lavra para expor meus pontos de vista, predominam aqui as mensagens que apenas repassam textos de terceiros, mesmo que de origem desconhecida e cheios de informações inverídicas e manipulações estatísticas grosseiras. Sendo assim, resolvi solicitar um comentário dos meus pares sobre um parágrafo do artigo que o sociólogo Chico de Oliveira (bastante citado por geógrafos, diga-se de passagem) escreveu para explicar sua desfiliação do PT.
Bom final de semana.
"Afasto-me porque não votei nas últimas eleições presidencial e proporcional no Partido dos Trabalhadores, reiterando um voto que se confirma desde 1982, para vê-lo governando com um programa que não foi apresentado aos eleitores. Nem o presidente nem muitos dos que estão nos ministérios nem outros que se elegeram para a Câmara dos Deputados e para o Senado da República pediram meu voto para conduzir uma política econômica desastrosa, uma reforma da Previdência anti-trabalhador e pró-sistema financeiro, uma reforma tributária mofina e oligarquizada, uma campanha de descrédito e desmoralização do funcionalismo público, uma inversão de valores republicanos em benefício do ideal liberal do êxito a qualquer preço – o ‘triunfo da razão cínica’, no dizer de César Benjamin –, uma política de alianças descaracterizadora, uma ‘caça às bruxas’ anacrônica e ressuscitadora das piores práticas stalinistas, um conjunto de políticas que fingem ser sociais quando são apenas funcionalização da pobreza – enfim, para não me alongar mais, um governo que é o terceiro mandato de FHC" [grifo meu].
OLIVEIRA, Francisco de. Tudo o que é sólido se desmancha em... cargos. Folha de São Paulo, 14 de dezembro de 2003.
O silêncio como
método
De: diniz@ufpr.br
Data: Qui, Outubro 19, 2006 5:14 pm
Para: <genilson@yahoo.com.br>
CC: diniz@ufpr.br (mais)
Pois é,
Ninguém se dignou a comentar o parágrafo do Chico de Oliveira que eu reproduzi aqui. Não me surpreende, pois o texto dele deixa claríssimo que o governo Lulla deu continuidade a tudo o que os petistas (aí incluídos os geógrafos) chamavam de "neoliberalismo". Daí que esse governo não tem nenhuma conquista a apresentar, ao contrário do que andam dizendo por aqui.
Então esse silêncio dos meus colegas me lembrou de um artigo do economista Sérgio Besserman Vianna, no qual ele demonstra que o silenciamento sobre os próprios erros analíticos e políticos é o método tradicionalmente utilizado pelos intelectuais que se dizem radicais para fazerem de conta que estão sempre certos, quando na verdade não acertam uma!
Boa leitura.
PRIMEIRA LEITURA — 44
Acesso em 12 de fevereiro de 2006.
O SILÊNCIO COMO MÉT'ODO
Por Sérgio Besserman Vianna
O “silêncio dos intelectuais”, pouco importam a esta altura as intenções e os patrocínios originais do seminário que concebeu essa expressão, gerou intensa polêmica relacionada à abissal crise política que se abateu sobre a República. Intelectuais simpatizantes ou dos quadros do PT, com a exceção dos que já vinham corajosamente exercendo pensamento crítico, como os professores Francisco de Oliveira e César Benjamim e o deputado Fernando Gabeira, furtaram-se ao cumprimento do papel que deles, com todo o direito, a sociedade esperava: que se pronunciassem, ajudassem a analisar, a entender.
A professora Marilena Chaui, por exemplo, primeiro silenciou, depois, ainda mantendo o silêncio sobre a verdadeira questão, emitiu uma inverdade já suficientemente desmentida sobre o papel do PT na luta pela democracia. Em relação a esse ponto, faltou apenas acrescentar que, no fim da década de 1970, período da anistia, boa parte dos futuros dirigentes do PT era simples e virulentamente contra a palavra de ordem “por liberdades democráticas”, à qual contrapunham a bandeira de “liberdade a quem trabalha” (sic).
A polêmica sobre o silêncio, contudo, tem-se restringido ao seu aspecto conjuntural: a omissão em face das imensas responsabilidades do PT na atual crise da República. É claro que essa fuga às obrigações sociais dos intelectuais já é suficientemente grave. Esclareça-se: a obrigação não é a de fornecer respostas, da mesma forma que o médico nem sempre cura o paciente. Mas é quase criminoso negar a existência da questão, como um médico que se recusasse a enxergar a doença de quem lhe pede ajuda.
Há sempre um preço a pagar por essas omissões pretensamente astuciosas, e o custo será das forças políticas de esquerda. Guardadas as devidas (e enormes) proporções, é um pouco como o impacto do 20o Congresso do Partido Comunista da União Soviética e sua denúncia autocrítica dos crimes do stalinismo
É profundamente ofensivo à inteligência nacional que o diagnóstico das responsabilidades do PT por parte de sua direção – com o devido endosso do silêncio dos seus intelectuais – seja: “os controles contábeis do partido eram frouxos”. Política não é ciência; a verdade não é o objetivo último, mas há limites para atitudes cínicas, e essa explicação os ultrapassa largamente.
Há sempre um preço a pagar por essas omissões pretensamente astuciosas, e o custo será das forças políticas de esquerda. Guardadas as devidas (e enormes) proporções, é um pouco como o impacto do 20o Congresso do Partido Comunista da União Soviética e sua denúncia autocrítica dos crimes do stalinismo. Alguns simplesmente negaram a realidade (o PC do B, do deputado Aldo Rebelo, nasceu dessa posição), mas mesmo os que a aceitaram e até a apresentaram como prova de vitalidade (sempre ressalvadas proporções, algo como a “refundação” do PT) ofereceram ao mundo um diagnóstico risível: tudo se devia ao “culto à personalidade”. Dezenas de milhões de mortos porque teria havido um desvio decorrente da tendência da humanidade a esse “culto”...
Quase 20 anos depois, os eurocomunistas, com o Partido Comunista Italiano à frente, ainda sob o impacto da repressão à Primavera de Praga, finalmente enfrentaram a verdadeira questão. No Brasil, o professor Carlos Nelson Coutinho, em brilhante artigo, chegou à formulação adequada: A Democracia como Valor Universal. Até então, por definição, a democracia para a esquerda ou não era valor ou era um valor subordinado.
Lamentavelmente, porém, para quem se posiciona à esquerda, como eu, esse silêncio não se restringe à crise atual: ele se tornou um método que tem como inevitável conseqüência um grande preço a pagar. E me posiciono à esquerda não apenas no sentido explicitado por Norberto Bobbio em princípios da década de 1990 – isto é, por considerar o combate à desigualdade, e não apenas à pobreza, um valor fundamental. Também o faço em um sentido ainda mais radical, que pensa a agenda do século 21 a partir da necessária subordinação da lógica da acumulação do capital em nível global a outros valores democraticamente definidos – aos quais o mercado é, e sempre será, cego e surdo.
O PT nasceu quando o “socialismo real” morreu. Não morreu por falta de democracia (embora fosse criminoso por isso), como a experiência chinesa demonstra. Morreu porque a propriedade estatal dos meios de produção – proposição que nunca esteve no pensamento de Karl Marx – e o planejamento centralizado nem eram socialismo (nunca a lógica da acumulação havia sido tão predominante) nem, tampouco, eficientes. A competição com os países desenvolvidos de economia de mercado tornou simplesmente ridícula essa concepção.
O PT – e a maior parte dos intelectuais ao seu redor – constituiu um dos raros partidos de esquerda do mundo que se recusaram a enfrentar a questão. A existência de tendências forneceu o biombo: uns pensam de um jeito, outros, de outro, e, na verdade, ninguém pensava nada. No mundo, alguns se voltaram mais para a direita, para a social-democracia, outros tentaram descortinar novas agendas. Mesmo o PPS, no Brasil, sucedâneo do PCB, tenta, a seu modo, enfrentar o desafio.
E o PT? Silêncio.
Mas não há free lunch. Silêncio também tem preço. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por exemplo, sente-se à vontade para declarar que nunca foi de esquerda e que, sempre que a seguiu, se deu mal.
Outro exemplo mais concreto. Não há nada demais em mudar de posição, mesmo que radicalmente. Com a Carta ao Povo Brasileiro e a política econômica do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, o PT mudou. E mudou para melhor. Ok. Explicações? O ex-ministro José Dirceu (Casa Civil) ora menciona as exigências da política de alianças, ora necessidades da transição. Palocci, ao contrário, enfatiza sempre ser a política econômica atual a recomendada para os próximos 20 anos.
Já o ex-ministro Tarso Genro, em entrevista a esta Primeira Leitura na edição de janeiro do ano passado, afirmava o oposto: a política econômica mudaria na segunda metade do governo Lula. Ou não seria um governo do PT. Muitas explicações equivalem a nenhuma. Silêncio. Preço a pagar: no caso, juros mais altos, desemprego maior e interdição do produtivo debate entre desenvolvimentistas e fundamentalistas sobre quais reorientações poderiam ser feitas sem prejudicar o compromisso essencial com a responsabilidade fiscal.
Mais Silêncio
Ainda mais grave é o silêncio sobre as políticas sociais. Começamos com uma enorme confusão conceitual entre fome, extrema pobreza, pobreza e desigualdade. Silêncio. Em seguida definiu-se como o cerne das políticas sociais a ampliação do Bolsa-Família. Excelente continuar na boa direção do que vinha sendo realizado pelo governo anterior, apesar da indigência técnica com que passou a ser implementado (sem nenhum mecanismo de saída, sem contrapartidas etc.). Mas a formulação das políticas de renda mínima não pertence às esquerdas. Foi feita pelo economista Milton Friedman: é necessária e complementar, mas não elimina a necessidade de reflexão sobre como proceder para caminhar na direção da transformação da sociedade.
É muito difícil combater a desigualdade. Reduzi-la requer desconstruir os seus mecanismos de reprodução: basicamente o mau funcionamento do “mercado de poder” (tornar mais substantiva a democracia) e da Justiça, redistribuindo ativos capazes de gerar renda de forma sustentável.
Nesse contexto, o Brasil está diante de uma grande oportunidade que também é, como sempre, uma grande ameaça. A mesma variável que é absolutamente decisiva para a consolidação da democracia e para o crescimento sustentável nas próximas décadas é, simultaneamente, o ativo que mais facilmente (em comparação aos demais) pode ser redistribuído: o conhecimento. Alguma reflexão sobre isso que pudesse contrabalançar as reiteradas demonstrações de desapreço ao conhecimento vis-à-vis à intuição e à emoção emitidas pelo sr. presidente da República?
Minha crítica ao silêncio é maior e mais difícil que a do meu amigo Reinaldo Azevedo. Contemplado pela esquerda, percebe-se neste silêncio a expressão de interesses sociais que se recusam a encarar o mundo do século 21, com elevados custos para a esquerda no Brasil. Além disso, o silêncio sobre o que ignoramos é uma coisa. O silêncio sobre questões conhecidas e inescapáveis, outra bem diferente, que tem como conseqüência quase inevitável a aparição de sintomas neuróticos como, por exemplo, justificativas delirantes para a luta pelo poder.
O silêncio não é apenas uma forma de fugir à obrigação de tentar compreender a crise política e as responsabilidades de todos nela ou, até pior, de tentar justificá-la. O silêncio é anterior e faz parte das causas maiores dos acontecimentos que presenciamos.
Em setembro, em um artigo na Folha de S.Paulo, o sociólogo alemão Robert Kurz, referindo-se à anacrônica esquerda territorialista da Europa, sugeriu: “Uma nova perspectiva emancipatória (...) somente poderá ser atingida quando as tendências observadas em toda as partes a uma renacionalização ideológica forem radicalmente criticadas. O liberalismo obstinado das classes globalizadas, de um lado, e a nostalgia nacional das classes médias declinantes, de outro, não constituem nenhuma alternativa aceitável”.
Parafraseando para a realidade brasileira: “Uma nova perspectiva emancipatória (dentro e/ou fora do PT) somente poderá ser atingida quando as tendências observadas de fuga às verdadeiras questões colocadas para a esquerda forem radicalmente criticadas. O liberalismo obstinado das classes globalizadas, de um lado, e a nostalgia nacional das vítimas da globalização, de outro, não constituem nenhuma alternativa aceitável”.