Re: Para refletirmos... (Refuto ponto por ponto!)

De:   diniz@ufpr.br

Data:   Sab, Outubro 14, 2006 11:24 am

Para:   zé@ufpr.br

 

Zé,

 

Ponto por ponto:

 

1- É falso que a gestão Lula tenha contribuído para desenvolver mecanismos de participação social: o orçamento participativo implantado em Porto Alegre, por exemplo, é só uma forma de aparelhamento, pois as pessoas que participavam das reuniões eram militantes petistas infiltrados nas associações de bairro e organizações assemelhadas. Ademais, o PT fez aparelhamento no governo federal e montou um esquema corrupto de suborno sistemático de parlamentares, o que é a antítese da democracia.

 

2- De outro lado, os militantes de esquerda ficaram frustrados com o fato de o PT não haver instituído mecanismos de participação direta dos "movimentos sociais" no governo federal. Quem duvidar disso, leia o seguinte trabalho: WAINWRIGHT, Hilary; BRANDFORD, Sue (coord.). En el ojo del huracán: visiones de militantes de izquierda sobre la crisis política de Brasil, p. 9-10. Disponível em <http://www.tni.org> Acesso em 06 de fevereiro de 2006.

 

3- É totalmente falso dizer que, ao longo da história brasileira, tivemos apenas algumas melhorias "ante à situações de intensos conflitos sociais", conforme você diz. Os dados dos Censos Demográficos e os Relatórios do Desenvolvimento Humano elaborados pelo PNUD mostram que as condições de vida no Brasil melhoram de forma constante e mais rapidamente do que na maioria dos países.

 

4- Aliás, essa conversa de que no Brasil as coisas nunca melhoram, a não ser quando as "elites" são forçadas a ceder um pouco por pressão de "movimentos sociais", é uma das grandes balelas propagadas pela Geografia Crítica. Uma inverdade completa e um desserviço que os professores de geografia e autores de livros didáticos prestam ao país!

 

5- É falso que o governo FHC tenha reprimido movimentos de supostos sem-terra porque estivesse comprometido com a concentração de terra. Primeiro, porque a concentração de renda diminuiu no governo dele, conforme pesquisa da FGV. Segundo, porque ele fez o maior programa de reforma agrária da história, como já assinalou o José de Souza Martins. Terceiro, porque o governo dele pacificou o campo: é no governo Lulla que dispararam as invasões e mortes em conflitos agrários, como demonstram os Relatórios da Ouvidoria Agrária.

 

6- Agora, se você acha que atender às demandas dos sem-terra é fazer uma reforma agrária ampla e massiva, terá de reconhecer, como o Ariovaldo U. Oliveira e o Bernardo Mançano, que a reforma de Lula é uma continuação da de FHC, ou seja, uma reforma "meramente compensatória", como eles dizem.

 

7- É falso que o governo Lula tenha melhorado alguns benefícios que já vinham do governo anterior. Os programas de renda mínima instituídos por FHC foram transformados por Lula em máquinas clientelistas de compra de votos, pois deixou de haver controle da freqüência das crianças à escola e os benefícios são fornecidos sem que haja mecanismos de saída dos programas. Lula também não providenciou a checagem dos cadastros usados nesses programas, o que alimentou o clientelismo local, a corrupção e os desvios de dinheiro.

 

8- Por que você acha que é a candidatura Alckmin e sua base de apoio que não transmitem segurança quanto a compromissos sociais se o governo Lulla não tem nenhuma conquista social a apresentar, já que apenas piorou o que já vinha dando certo desde o governo FHC? E por que a coalizão de apoio a Lula é melhor, se o PT é o partido mais autoritário do Brasil, se está metido em inúmeras denúncias de corrupção e se os políticos mais reacionários apóiam Lula (Maluf, Collor, Barbalho, Suassuna, etc.)?

 

9- Você tem razão: eu vou mesmo desqualificar a entrevista que a Conceição deu e que você reproduziu abaixo. Em primeiro lugar, aponto a hipocrisia que é dizer que o Brasil está "livre do garrote do FMI" por haver pago a dívida com ele. Como é que estamos "livres" se a política econômica praticada depois do pagamento é exatamente a mesma que o FMI já vinha recomendando desde o tempo de FHC??!! Em segundo lugar, vou lembrar que, em 2002, ela publicou um artigo em parceria com Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo no qual eles simplesmente detonam TODOS os elementos da política econômica do segundo mandato de FHC. Veja só:

 

·        Diziam que o câmbio flutuante não traz estabilidade para a economia e que impede a execução de políticas favoráveis ao crescimento, mas parece que agora ela não liga para isso;

 

·        Diziam que era impossível contar com um Estado capaz de promover o crescimento econômico e a geração de empregos seguindo-se as regras impostas pelo FMI e pela globalização financeira. Contudo, o governo Lula segue justamente essas regras e ela está satisfeita!!!

 

·        Como é que ela tem a cara de pau de dizer que o governo Lula "consertou" a trapalhada que FHC teria feito se a política econômica é a mesma do governo anterior (câmbio flutuante, metas de inflação e de superávit primário) e com cargas maiores de ortodoxia? Essa mulher é uma cínica!

 

Quer a fonte? Pois tá aí: BELLUZZO, L. G. M.; TAVARES, M. C. Desenvolvimento no Brasil - relembrando um velho tema. In: BIELSCHOWSKY, R.; MUSSI, C. Políticas para a retomada do crescimento: reflexões de economistas brasileiros. Brasília: IPEA: CEPAL, 2002.

 

 

CONCLUSÃO - A Folha de São Paulo foi responsável pela divulgação da mentira de que FHC teria dito "esqueçam o que escrevi". Contudo, a Conceição é uma que realmente esqueceu o que escreveu, e a imprensa ainda fica dando cartaz pra ela!!! Francamente...

 

 

Em Sex, Outubro 6, 2006 11:33 am, zé@ufpr.br escreveu:

 

> Caro Diniz e demais listeiros;

> O segundo turno da eleição está sendo legal por uma série de motivos, mas o melhor mesmo é a oportunidade do debate de idéias, em todos os níveis. O fato de termos dois candidatos tão diferentes explicita uma necessária tomada de posição; a neutralidade (existe?) é que em nada contribui para o avanço na construção de uma sociedade mais justa. Neste sentido parece-me que a sociedade brasileira está amadurecendo no que concerne à participação na gestão do Estado, e qq que seja o eleito as cobranças, doravante, parece serão mais severas... isto é bom, é algo resultante em grande parte da gestão Lula (vcs participaram das conferencias temáticas municipais, estaduais e nacionais? e o Estatuto da Cidade e sua aplicação? etc. Vcs não concordam que os mecanismos de participação social cresceram e foram dinamizados?).

 

> Quando falo, e reafirmo, que para mim trata-se de uma questão de classe não quer dizer que aqueles que defendem a candidatura do Alckmin não tenham posição de classe, que não defendam o status quo das elites que secularmente governaram o Brasil e sugaram para si e seus familiares/apadrinhados políticos os louros do poder (político e econômico); para estes, bastiões do conservadorismo e da concentração da renda, não dou meu voto. É claro que proporcionaram, ao longo da história, alguns benefícios à classe baixa, mas sobretudo ante à situações de intensos conflitos sociais; veja-se, na história mais recente, a ação do governo FHC contra os sem-terra, contra os sem-teto, etc. Mas como conheço, Luiz, tuas posições contrárias a estes movimentos sociais espero que não precisemos entrar neste debate, cito-os apenas para ilustrar algumas das várias ações do governo FHC no não atendimento às demandas da classe baixa de nossa sociedade; todavia não deixo de reconhecer que naquele governo vários avanços foram feitos (iogurte, dentadura, indenização de cassados políticos, sistema de pós-graduação, etc.) e que foram melhorados no seguinte, do Lula... o não reconhecimento de vantagens na oposição beira quase ao fundamentalismo! A oposição não tem somente maldades como algumas mensagens deixam transparecer, e é preciso ter cuidado com os julgamentos sumários e superficiais.

 

> O governo Lula não começou do e no nada, ele herdou uma história e em muito melhorou-a, sobretudo no que concerne à população pobre e miserável, à participação e à democracia. É em defesa dos mais pobres (cerca de 50% da população brasileira) que coloco minhas palavras e parte de minhas ações como profissional e cidadão; é em defesa daquilo que no último governo brasileiro se fez em prol dos pobres que defendo a re-eleição do Lula. Ao comparar as duas candidaturas percebo que o Alckmin e sua base de apoio não me transmitem confiança para acreditar que a classe mais necessitada de nossa sociedade receberá a devida atenção do governo, ou pelo menos o que recebeu no atual; o passado do candidato tucano e de parte de quem o está apoiando é suficiente para ver quais os reais propósitos das candidaturas ao governo federal. Mas veja, reconheço que há falhas e problemas consideráveis na gestão atual do Lula e ja o disse várias vezes neste espaço de discussão; ainda assim e ao fazer uma comparação com a candidatura oponente não me resta dúvida: é LULA Lá novamente, pois as possibilidades de correção de erros na perspectiva de atendimento dos mais necessitados soa muitíssimo mais evidentes. Bem, estou certo de que temos argumentos suficientes para ficarmos dias e noites escrevendo e expondo nossos pontos de vista; não vou fazer isto e nem desqualificar os autores dos textos que vc também envia para subsidiar a reflexão. Há razões de sobra para não menosprezar nem ofender o pensamento dos outros (lembra do FHC chamando de neobobos todos que pensavam diferente dele? e de vagabundos os aposentados?!!!), assim como não queremos que façam com os nossos, pois penso que sempre temos algo a aprender mesmo com aqueles de idéias diferentes das nossas. Envio, a seguir e na certeza de vc vai também refutar e desqualificar o pensamento dela, um texto da Profa Maria da Conceição Tavares... quem sabe vc encontre algo de interessante na analise desta que é, para muitos, uma referência acerca da análise político-econômica de nosso país.

>E bola pra frente...

>Abs.

>Zé.

 

Sem o garrote do FMI

 

>> Impulsiva, vibrante, ágil no raciocínio. Maria da Conceição Tavares fala

>> aos jorros sem perder a coerência, o brilho e a coragem como se verá

>>nesta entrevista a CartaCapital, na qual ela defende as ações de Lula

>>com emoção, mas, também, com uma qualidade de argumentação incomum em >>muitos integrantes do governo.

 

>> Um dos pontos que afirma é o de que o governo Lula não repete a política

>> econômica de Fernando Henrique Cardoso. Ela dá uma importância

>> fundamental a uma diferença: o pagamento de US$ 15 bilhões ao Fundo

>> Monetário Internacional. Isso teria livrado o País, pelos próximos dez

>> anos, do garrote internacional.

 

>> Ela mostra outros pontos de divergência. Lembra, por exemplo, que Lula

>> barrou o andamento do neoliberalismo, estancou as privatizações,

>> reestrutura o Estado brasileiro e não vocaliza a política de Washington.

>> Satisfeita com muitas das ações do governo em defesa da população "de

>> baixo", no entanto, reclama: "Não é o governo dos nossos sonhos".

 

>> Aos 75 anos ela, não desanima e nem vacila quando pensa na eleição de 2006:

>> "Espero que não ganhe a visão dos tucanos neoliberais. Tudo, com eles,

>> regredirá. Esse capitalismo que pregam é violentamente regressivo tanto

>> nas relações com o trabalho, quanto na relação do Estado com o capital e

>> com  a cidadania. Eles só querem apagar direitos. Se possível, todos

>> aqueles conquistados no século XX".

 

>> Nem a ditadura militar tentou fazer isso. Mas ela não duvida que os

>> economistas tucanos façam, pois já pregam as reformas de segunda geração.

>> Por isso, ela se põe a favor da reeleição de Lula. Quer que ele mesmo

>> "impeça o desmonte do que já conseguiu conquistar". Abaixo os trechos

>> principais da entrevista.

 

>> CartaCapital: O governo fechará o ano com a antecipação do pagamento de

>> US$ 15 bilhões ao FMI. Por que os rasileiros, além dos economistas, devem

>> comemorar esse resultado?

 

>> Maria da Conceição Tavares: Ao pagarmos o Fundo Monetário chegaremos a

>> uma relação "dívida externa e PIB" que, finalmente, apagou o que o

>>governo do Fernando Henrique fez. Isso é espantoso: é a melhor relação

>>dívida externa versus Produto Interno Bruto dos últimos 40 ou 50 anos.

>> Conseguimos sair do atoleiro, da fragilidade da crise cambial. Ou seja,

>>crise cambial mata. A crise fiscal,  no entanto, esfola.

 

>> CC: Quem é esfolado no momento?

>> MCT: No momento a crise fiscal está esfolando o povo, a classe média e os

>>  construtores.

 

>> CC: E os juros? Por que está todo mundo indignado com a taxa?

>> MCT: Tem muita gente ganhando com a taxa alta. As grandes empresas

>> protegem-se  com aplicações financeiras.

 

>> CC: Então, por que a reclamação?

>>MCT: Porque não há investimento público. Isso quer dizer que vários dos

>> grupos tradicionais de poder não levam nada. A classe média não leva nada.

>>  Quem tem levado é o pessoal "de baixo". Mesmo em 2003, o ano de

>> crescimento zero, tivemos um aumento do mínimo acima do PIB per capita.

>> Em 2004, aconteceu o mesmo e esse ano também. Seguramente, em 2006 será

>> assim. É a primeira vez que, de uma maneira contínua, um governo sobe o

>> salário mínimo com regras. Regras a favor do mínimo. É a primeira vez,

>> também, que se faz um esforço de formalização do mercado de trabalho,

>> depois de mais uma década de informalização, terceirização etc. Há três

>> boas notícias trazidas pela PNAD: a reversão do salário dos "de baixo";

>> a reversão do desemprego e da renda também dos "de baixo".

 

>> CC: À custa dos ricos, acusam...

>>MCT: Os ricos somos nós, a classe média. À custa da classe média que,

>> aliás,mantinha uma frente grande dos salários menores. Em resumo, é a

>> distribuição melhor dos salários, que no Brasil ainda é pérfida. Então,

>> agora, pagou a turma de cima. E reclamam que o emprego gerado foi para os

>>  "de baixo" e não para os filhos da classe média alta. Alguém esperava

>> que o governo Lula fosse gerar prioritariamente emprego para o pessoal da

>> classe média alta dos Jardins, em São Paulo? Estão brincando, não? Os "de

>> baixo" nunca levaram colher de chá. Os empregos de agora foram gerados

>> para assalariados que ganham em torno de um salário mínimo ou que têm o

>> salário mínimo como referência. Isso é fundamental para melhorar a

>> pirâmide dos salários. Isso foi prometido e feito sem nenhum entendimento

>> das autoridades econômicas.

 

>> CC: Como assim?

>> MCT: Eles atiram no que vêem e acertam o que não vêem. Porque,

>> evidentemente, aqueles meninos do Banco Central continuam com aquele

>> modelito ridículo que todo mundo já criticou. Por que é que não se

>> perguntou, na prática, para o que é que serviu essa taxa de câmbio

>> valorizado.

 

>> CC: Há quem acredite que se trata de populismo cambial.

>> MCT: Mentira.

 

>> CC: Qual a diferença do que foi feito no governo FHC?

>> MCT: Aquele era populismo cambial porque com aquele câmbio ele conseguia

>> dar uma cesta mais barata. Arrebentou, por isso, com a agricultura de

>> exportação, arrebentou com a indústria. Enfim, arrebentou com a estrutura

>>  produtiva. E nos pespegou uma dívida interna e externa numa rapidez

>> colossal. Estourou os endividamentos interno e externo. E tudo o que ele

>> trazia de capital para fechar o balanço de pagamentos era para importar

>> bens de consumo. Foi aquele delírio de consumo. Aquilo era populismo.

 

>> CC: Um populismo que a classe média adorava...

>> MCT: Exatamente. Para a classe média. Até que teve de reverter e fazer a

>> desvalorização. E nos deixou quebrados. Sabe qual era a relação "dívida

>> externa e exportações"? Era três vezes maior. Hoje é só 1,1 vez maior.

>> Sabe qual era quando nós quebramos em 1999? Era de 3,97%. Isso é

>> praticamente 4%.

> Com essa relação, os países quebram. Só se tem reserva, de fato, quando

>> se diminui o endividamento. Reserva com endividamento crescente, como no

>> governo FHC, não quer dizer nada. Agora, sim. Olha  como os governos não

>> se parecem, ao contrário do que alguns dizem por aí. Há, hoje, reservas

>> internacionais líquidas de US$ 52 bilhões. Há uma queda na dívida

>> externa, pública e privada, enorme.

 

>> CC: No capítulo de investimento público a coisa parece muito igual.

>> MCT: Agora também é quase nada. O arrocho fiscal de agora é mais violento

>> do que antes. Isso ocorre porque a taxa de juros está lá em cima. Não ao

>> ponto que o governo FHC tinha elevado. Dever ao Fundo, como se devia, é

>> uma desgraça. Agora pagamos e há reservas de US$ 52 bilhões e uma dívida

>> externa reduzida em mais de 40%. Há uma política conseqüente. Resolvida

>> essa dívida de curto prazo, a estrutura da dívida externa está

>> perfeitamente "o.k." para os próximos dez anos.

 

>> CC: Por que não "batem lata" para isso? Esqueceram a dívida externa?

>> MCT: Porque não têm sensibilidade. Por que é que em nenhuma ata do Copom

>> isso está relacionado? Fala-se sempre da inflação. São uns beócios.

>> Agora, se não baixar os juros eles serão umas toupeiras. Aí o presidente

>> Lula vai ter de dar uma chicotada. Eles eram dependentes do mercado e

>> agora o mercado sinalizou.

 

>> CC: O mote deles é a inflação...

>> MCT: Inflação, taxa de juros e câmbio. Não conseguem ver além disso. Mas

>> o que aconteceu com o endividamento externo? Eu continuo não crendo que

>> esse modelo não vai fazer bem ao presidente principalmente no ano da

>> eleição. Não creio. Abriu-se agora um novo período.

 

>> CC: A partir do pagamento ao FMI?

>> MCT: Sim. Isso significa que a restrição externa que vem lá de trás,

>> desde o começo dos anos 1980, está equacionada. Agora, sim, dá para

>> desmontar uma das patas da armadilha macroeconômica. Dá para baixar, a

>> sério, a taxa de juros. Agora, sim, temos condições de retomar o

>> crescimento. Mas, um pequeno detalhe, como o crescimento até agora era um

>> miniciclo de consumo e, no caso do governo Lula, miniciclo de consumo e

>> de exportações no ano passado que soltaram o crédito para o povão...

 

>> CC: Mas dizem que o povão estava endividado.

>> MCT: O povão já estava endividado. Só que na Casas Bahia e, portanto,

>> pagava um juro indescritível. Hoje ele já pode comprar a televisão, a

>> geladeira, em módicas prestações com o crédito de outra maneira. O Mário

>> Henrique Simonsen me contava que cansou de explicar para a mãe dele duas

>> coisas que ela jamais entendeu: a tal da correção monetária e a porcaria

>> da taxa de juros. Economista não consegue explicar certas coisas nem

>> para a própria mãe. Para o povão, quando abaixa a prestação, aumenta o

>> número delas e ainda pode descontar em folha está ótimo. Nesse sentido,

>> o governo fez outras coisas, como a Previdência generalizada para os

>> velhinhos.

>> Altamente distributivo.

>> Para valer. O maior programa distributivo do País é a Previdência Social

>> dos aposentados que dá uma renda enorme. Principalmente no Nordeste...

 

>> CC: No Nordeste?

>> MCT: Seguramente. Onde é que deu renda maior nesses programas sociais

>> todos? No Nordeste. Onde a Bolsa Família é mais importante? No Nordeste.

>> Onde é que Lula está pensando em retomar os projetos estruturantes? Na

>> região mais atrasada. No Nordeste. É o caso da ferrovia e da

>> interligação das bacias que o pessoal fica dizendo que é a transposição

>> do São Francisco? Não é transposição, é ligação das bacias para que não

>> haja sobra de água de um lado e seca do outro. Enfim, o de sempre.

>> Espero que ninguém interrompa esses projetos. Não se pode interromper os

>> projetos estruturantes e, também, os projetos sul-americanos de

>> integração que  Lula fez graças às boas relações que ele tem tanto com o

>> Kirchner quanto com o venezuelano (Chávez)

 

>> CC: A senhora também cobrava, antes, a retomada do crescimento.

>> MCT: Cobrava antes porque era miniciclo. Era vôo de galinha. Eu sempre

>> disse que com aquela política era vôo de galinha. Neste último ano, como

>> sobrou liquidez no mundo e nós reestruturamos a dívida externa, a coisa

>> mudou. Mas não se esqueça que eu estou em silêncio há muito. Só falei uma

>> coisinha aqui e outra ali.

 

>> CC: A hora de retomar o crescimento chega no ano eleitoral. Coincidência?

>> MCT: Não. Azar. Ninguém vai perceber porque isso não é eleitoral. Esse é

>> o problema. Isto é uma política de reestruturação. Está se reestruturando

>> o setor público. Pararam as privatizações. Está se tentando reestruturar

>> o setor elétrico. Tudo isso, com exceção dos programas diretamente

>> populares, é invisível. Você acha que o povão dá conta do que eu estou falando?

 

>> CC: Qual a importância que a senhora vê no fato de, após tantos anos, a

>> moeda brasileira, o real, estar cotada na Bloomberg? Por que isso?

>> MCT: Havia alguma cotação no tempo do "real forte" do governo FHC? Não.

>> Porque não era forte coisa nenhuma. Tudo o que eu disse sobre aquele

>> plano que, aliás, me custou bastante pancada dentro do partido... Eu e o

>> Mercadante levamos muita pancada porque, depois, deu certo... deu certo a

>>  curto prazo. A questão é avaliar a herança pesada que deixou. Estamos

>> metidos numa herança, essa é a verdadeira "herança maldita". Por isso,

>> vem um e diz que está continuando a política do Fernando Henrique. Há

>> até ministros nossos, de direita, na área econômica, que não entendem

>> nada do que estão falando, assumiram esse papo. Continuamos nada.

 

>> CC: Explique melhor, por favor.

>> MCT: As razões pelas quais foi necessária essa valorização foi para

>> comprar reservas baratas, pagar a dívida externa privada, reestruturar a

>> dívida pública e contratá-la em melhor situação. Em 2004 crescemos,

>> exportamos como gigantes. O salário cresce, o emprego cresce e não batia

>> nada com o diagnóstico. Evidente que o PIB caiu por ser um miniciclo.

 

>> CC: Mas o PIB caiu. Pode crescer mais em 2006?

>> MCT: O PIB caiu por ser um miniciclo. Não sei o quanto o PIB pode

>> crescer. Vamos ver. Pode chegar a 4%. Não é o que a gente quer, mas é que

>> ainda  não estão postas as condições internas de retomada do crescimento.

>> Que é, basicamente, o investimento público. Para isso é preciso baixar

>> os juros para que eles não comam o investimento. Não há mais argumento

>> para manter o câmbio tão valorizado. Diminuímos a dívida interna,

>> dolarizada, radicalmente. E para manter estável a relação da dívida

>> interna com o PIB tivemos de mandar o pau no superávit. Foi preciso. Mas

>> tanto eles não entendem que propuseram aquela estupidez do superávit

>> crescente para 5% nos próximos dez anos.

 

>> CC: Isso aconteceu, então, apesar deles.

>> MCT: Não é apesar de... Há muitos operadores ainda bons que são do ramo.

>> Apesar dos ministros, das declarações que dão, dos "Delfins Nettos". Fico

>> pasma. Por que se está emitindo títulos em real? É porque todo mundo

>> supõe que não vai desvalorizar. Ou vai ser desvalorizado de forma

>> insignificante. Dado, no entanto, que emitimos a juros de 12,5% em dólar.

>> Isso significa que a taxa não deverá ficar muito abaixo de 14%. Esse é o

>> problema. Mas ela está em 18%. Portanto, há folga. E essa folga para as

>> contas públicas é essencial. Veja a contradição: como é que se critica a

>> política monetária e o juro e, depois, se propõe os 5% permanentes do

>> PIB? Ora, isso é o que empurra a taxa de juros para o patamar que está.

>> Essa armadilha tem de ser discutida com toda a seriedade. Incluindo,

>> agora, essa liberdade adquirida quanto à restrição externa e o que Lula

>> fez para melhorar a situação dos mais pobres e dos assalariados em torno

>> do  mínimo. É o grosso da população.

 

>> CC: A classe média alta está pagando a conta.

>> MCT: Eles pagaram o pato agora. Achatou-se os de cima e puxou-se os de

>> baixo. Foi achatado o leque de salários que, no caso brasileiro, é um

>> escândalo.

 

>> CC: Por que chegou a esse ponto?

>> MCT: Porque deixaram o salário mínimo cair a níveis inacreditáveis. O

>> doutor Getúlio deve estar se removendo na tumba.

 

>> CC: Agora, no entanto, ele deve estar um pouco mais feliz.

>> MCT: Pelo menos isto. É a primeira vez que os sindicatos dos

>> trabalhadores conseguem negociações coletivas acima da inflação. Há anos

>> que isso não acontecia. Estão melhorando as condições do trabalho. Isso é

>> inegável. Agora vem a ameaça dos homens das Casas das Garças com as

>> reformas de segunda geração. Que é o Banco Central independente,

>> flexibilização da legislação trabalhista, a última flexibilização

>> possível para comércio e movimento  de capitais. E, finalmente, retomar

>> as privatizações.

 

>> CC: Qual o alvo nas privatizações?

>> MCT: No primeiro acordo com o Fundo que o Fernando Henrique fez, eu

>> estava na Câmara, eles queriam privatizar o Banco do Brasil, o BNDES e a

>> Caixa Econômica. Acha que eles deixaram de querer? Coisa nenhuma. Eles

>> consideram que esses bancos públicos competem com eles. Quando, na

>> verdade, os bancos públicos são os que  permitem alavancar recursos para

>> financiar  o crescimento. O primeiro requerimento do crescimento

>> sustentável que era afastar a restrição externa.

 

>> CC: É possível, de fato, retomar o crescimento?

>> MCT: Agora, sim. Essa era a primeira barreira. Mas o governo tem, também,

>>  renda dos "de baixo" porque, como ainda está, não diminuiremos a

>> heterogeneidade social. Nosso quadro exige primeiro emprego e renda para

>> os "de baixo". Evidentemente, enquanto isso se faz políticas sociais

>> compensatórias. A terceira barreira é a falta de investimento público.

>> Isso só se supera baixando os juros e livrando os bancos  públicos das

>> restrições impostas pelo Banco Central.

 

>> CC: A senhora é contra a exposição da divergência entre os ministros?

>> MCT: Mas como não haver divergência pública se alguns estão se metendo

>> onde não são chamados? E todos eles vêm argumentar a favor dessa

>> interferência, todos eles, começando pelos economistas da PUC que se

>> reúnem na Casa dasGarças. Esse Pérsio Arida, essa gente toda, que no

>> Cruzado tinham boas

>> intenções, depois que viraram banqueiro estão, claro, com péssimas

>> intenções.

 

>> CC: A senhora já pôs as mãos no fogo por alguns deles na época do

>> Cruzado.

>> MCT: E queimei. Não ponho mais as mãos no fogo por ninguém, como pus para

>>  esses meninos. O Pérsio Arida, o André Lara Resende e o Mendonça de

>> Barros.

>> No caso do Malan (Pedro) eu queimei as mãos e o coração. Eu gostava muito

>> dele. Todos viraram banqueiros. Isso faz, evidentemente, que eles digam

>> o contrário da gente. Estão defendendo os interesses deles ao contrário

>> da gente, é óbvio.

 

>> CC: Mudando de assunto. As exportações vão continuar subindo?

>> MCT: Vamos continuar subindo, mas, como disse o próprio ministro

>> Rodrigues, muito mais devagar. Crescemos mais que a economia mundial.

>> Outra coisa que ninguém se dá conta é a idiotice do primeiro quadriênio

>> do Fernando Henrique. Ele abriu a economia do ponto de vista micro,

>> estourou as empresas, e do ponto de vista macro fechou. Não

>> exportávamos nada por causa da taxa de câmbio populista. Em resumo: o que fizemos nos últimos

>> dois anos foi recuperar o País da situação que aqueles infelizes montaram

>> de 1994  em diante. Pelo menos do ponto de vista do comércio exterior,

>> inserção internacional e dívida externa nós nos recuperamos da monstruosa

>> trapalhada que foi feita.

 

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